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Apocalipse de João: Uma carta de Deus para os que necessitam de esperança.

Aquelas palavras ditas a João, naquela distante manhã,  de tão cheias de compaixão, ainda hoje orientam os crentes sinceros, em suas lutas e esperanças.

por: Pastor Claudio Sampaio
Pastor em São Francisco/MG

Tema do sermão pregado pelo autor no dia de sábado, 05 de dezembro de 2009, na Igreja Adventista do Sétimo Dia Central do distrito de Céu Azul, Belo Horizonte

 Batista Mondim afirma em sua obra "Os Teólogos da Libertação" (1980), que dois momentos marcaram a caminhada da Igreja cristã na História, cujos resultados se evidenciaram na mudança de paradigmas. O primeiro momento marcante ocorreu ainda na era apostólica, quando ao invadirem o mundo grego, os cristãos influenciados pelo pensamento semítico, mudaram a mentalidade grega centrada no paradigma antropocêntrico (centralidade no homem) para o paradigma teocêntrico (centralidade em Deus). O segundo momento surgiu apenas no século 19, quando após longo período de supremacia da fé cristã, o racionalismo europeu inverteu a ordem de pensamento de então, estabelecendo o antropocentrismo (a centralidade no homem) em lugar do teocentrismo (a centralidade em Deus).

Contudo, como Wayne Meeks, penso que essa forma de pensamento se prenuncia ainda no período do Renacentismo, com sua ênfase nos feitos humanos. Como também creio que a arte imita a vida, penso que uma das melhores ilustrações que retratam este estado de ambivalência entre a fé e a razão já no século 16 se encontra de modo claro no afresco pintado por Michelangelo por volta de 1511, intitulado “A Criação de Adão”, quinto painel da Capela Cistina, em Roma.

No afresco citado, Adão se encontra em decúbito, descansando seu peso sobre o cotovelo direito tendo sua mão esquerda estendida de modo lânguido em direção a Deus. O dedo de Deus procura com certa dificuldade, tocar a ponta do dedo de Adão, como se uma força os repelisse mutuamente. Frei Beto apresenta o painel como a representação do mundo desnudo, mas que não quer perder o vínculo com seu Criador, que se apresenta atraído ao encontro da Terra. Porém, contrário a Frei Beto, a mim me parece como se a Divindade estivesse sendo repelida da realidade do mundo e da criatura humana; e o homem, já desde a sua criação, se dispusesse a uma fuga do seu Criador. Adão está lânguido, e aparentemente, não faz nehum esforço visível para buscar seu Criador. Deus, entretanto, embora sendo repelido ainda busca o contato com Seu filho, como se não quisesse perdê-lo de todo. Nessa era da razão, como atesta o afresco de Michelangelo, de fato, muitos negaram sua origem do modo expresso na Bíblia, e buscaram segurança e orientação no conhecimento e na lógica humana.

Mas na verdade, tudo se articula de fato, com Descartes (1596 – 1650), influente pensador europeu do século 17. Penso que todos conhecem a famosa frase: “Penso, logo existo”. Com essas palavras, Descartes mudou o pensamento de uma geração, afetando inclusive, o paradigma da ciência de nossos dias.

Embora de origem católica, quando jovem, Descartes começou a perceber uma enorme distância entre o tradicional ensino cristão de seus dias com a nova linguagem de tendência Renascentista, focada nas novas descobertas cientificas e culturais. Depois de passar pelo colégio Jesuíta Le Flèche, teria se indignado com o atraso da escola frente às novas posições políticas e infindáveis controvérsias com a escolástica. Descartes formou-se em Direito algum tempo depois, desta vez em outra escola mais progressista. Segundo relatos, foi em uma noite solitária, quando teve um insight repentino, que lhe vieram os fundamentos de uma ciência que alcançaria uma dimensão universal. E foi em plena época em que Giordano Bruno acabara de morrer na fogueira da Inquisição devido às suas idéias inovadoras no campo da ciência e Galileu estava em vias de ter o mesmo fim, que Descartes veio a publicar suas idéias, que essencialmente se baseavam na proposta de autonomia para a ciência e sua objetividade diante da fé em um Deus supremo. Na verdade, a proposta de Descartes vinha de choque contra as Sagradas Escrituras. Segundo ele, se algo escapa à razão, sendo um fato cujo sentido ou explicação a mente não consegue apreender, então este fato não pode ser verdade para mim; não sendo verdade para mim, então não é verdade de fato, pois a realidade só pederia ser medida pela convicção do pensamento. Para Descartes, a verdade só poderia existir se pudesse ser entendida pela lógica do pensamento humano, com base na chamada “regra da evidência”.

A linguagem e pensamento de Descartes, chamado “pensamento cartesiano” dominou a ciência de seus dias e perdura até os dias de hoje, influenciando até mesmo as escolas de Teologia secularizadas. Em decorrência disso, para muitos, a fé nos milagres foi declarada mera superstição, bem como os dogmas da fé cristã pregados durantes anos pela Igreja. O elemento sobrenatural e tudo o mais que se relacionasse à fé mas que de modo concreto não pudesse ser levado ao crivo da razão ou analisado em laboratório foi banido dos estudos sérios. O Cristianismo se tornou mais uma experiência moralista, na qual a figura de Jesus se perdeu nas águas sombrias do mito. A influência do pensamento cartesiano foi tamanha que já nos dias do século 19, o cético Nietsche afirmava que Deus não mais podia ser contado como um elemento presente nas questões da esfera humana e na ordem das coisas terrenas. Para Nietsche, Deus estava morto!

Como disse, esse pensamento da morte de Deus invadiu até mesmo o meio teológico. Sob essa influência, Dietrich Bonhoefer, um dos teólogos mais influentes do século 20, desenvolveu uma concepção acerca da “maioridade do mundo”, declarando que o mundo, em seu avanço científico se tornara agora uma criança crescida, e por isso, era deixada a se resolver sem Deus. Na verdade, para Bonhoeffer, Deus só nos ajuda quando se distancia de nós, oferecendo-nos a graça pela fraqueza e não pela onipotência. Então, nós é que temos de nos virar sozinhos, diante do sofrimento do mundo, vivendo como se Deus de fato estivesse morto!

Penso que nenhum de nós em algum instante imaginou um cristão de nosso tempo afirmando a morte de Deus. Eu mesmo supunha que tal caso se desse apenas no campo da Teologia e da Filosofia. Contudo, essa minha concepção mudou radicalmente alguns anos atrás, quando em uma de minhas visitas ministeriais a uma das famílias de nossa comunidade Adventista do Sétimo Dia. Na ocasião, pude ouvir sobre uma mulher ferida e decepcionada com Deus. Segundo soube, no mesmo dia em que ela se converteu a Fé, seu esposo a abandonou. Na ocasião, ela estava enferma, e a decepção amorosa a tornou mais e mais amarga. Tentou o suicídio e tornou-se maníaco-depressiva. Em razão de sua amargura, seus filhos também a abandonaram. E na ocasião, ela já não queria mais saber acerca de Deus, pois para ela, Deus havia se ausentado de sua vida. Para ela, Ele de fato estava morto.

Mas a verdade que brota do Apocalipse é que Deus está bem vivo. Em um momento de crise e tribulação da Igreja, o livro se abre com a presença de Deus enviando Sua palavra através de Jesus para alcançar um profeta e sua comunidade afligida. “Revelação de Jesus Cristo que Deus lhe deu...” (Ap 1:1). E quando lemos cap. 1, verso 8, Ele mesmo está dizendo: eu sou o primeiro e o ultimo, eu sou Aquele que é que era e que há de ser, eu sou o Todo-Poderoso. Seguramente, Deus está vivo. Ele jamais deixou de ser, Ele é, e sempre será. Ele é Eterno.

Mas na verdade, penso que em algum momento, talvez todos nós já sentimos a sensação da ausência de Deus. Já sentimos a dor de quem serve um Deus que de modo aparente, se ausentou de nós. Que mesmo as coisas do mundo aparentemente estão sem a direção divina. Já experimentamos a dura sensação de que Deus abandonou nossa vida.

De que modo experimentamos isso? É quando depois de um cristianismo de 10 anos viemos a orar pela cura de nossa enfermidade e Deus parece não ouvir nosso clamor. Talvez quando estamos sofrendo uma crise no emprego e os recursos já se fazem insuficientes para a manutenção de nossa família. Talvez quando alguém não correspondeu ao amor que nós dedicamos. Talvez quando buscamos uma resposta e parece que Deus não se interessa em agir. É quando nosso coração angustiado questiona: será que Deus se ausentou de mim?

Certa noite, uma jovem me procurou após o culto. Eu havia pregado sobre a soberania de Deus sobre o mundo e agora ela dizia de sua angústia. Sempre pediu um noivo para Deus. Quando namorou um rapaz cristão, ele a enganou e abandonou o compromisso do casamento. Ela estava angustiada com a situação de sua vida emocional. Onde estava Deus quando ela orava? Parece que Deus jamais havia escutado sua súplica.

Esse era o drama dos crentes da comunidade de João.

Depois da partida de Jesus para o Pai, uma fé vibrante tomou o coração de todos os crentes. Certamente Deus cumpriria sua promessa em enviar Jesus de volta a Seu povo. E eles aguardavam a chegada de Jesus naqueles dias, quando toda a dor do mundo seria banida da Terra. Pregavam e anunciavam essa esperança a todas as partes como um consolo para todos os tipos de sofrimentos. Era tão intensa essa certeza, que o apóstolo Paulo precisou escrever duas cartas à igreja em Tessalônica para orientar os crentes diante da tristeza pela demora do retorno, e posteriormente, diante da euforia como se o dia de Jesus já tivesse chegado (1Ts 4:13ss; 2Ts 2:1ss).

Mas Jesus não veio no tempo esperado, e uma tempestade de perseguições caiu sobre a igreja. Muitos cristãos foram mortos na primeira perseguição em Jerusalém, promovida pelos judeus e liderada pelo judeu Saulo de Tarso, no ano 34 (At 8:1ss).

Os apóstolos foram mortos e muitos crentes foram presos e jogados às feras do circo romano por volta do ano 64. Nesses dias, Neron lançou uma calúnia sobre os crentes no império romano e matou a muitos, inclusive a Paulo e a Pedro, acusados de sedição e de incendiar a cidade de Roma. Paulo foi então decapitado em praça pública, em Roma, e Pedro foi crucificado de cabeça para baixo. Nesse período, todos os apóstolos morriam, deixando a Igreja fragilizada diante dos desafios.

Anos depois, após a ascensão de Domiciano ao poder no ano 81, outra violenta perseguição atingiu a Igreja. Tendo se declarado como divino, Domiciano exigiu que cada religião do império o reconhecesse como deus. Como um líder cristão, João se recusou a essa exigência e foi assim enviado como escravo nas minas de cobre da ilha de Patmos. Quando escreve o Apocalipse, João diz que recebeu a mensagem de Jesus como um companheiro de tribulação de seus irmãos na Ásia (Ap 1:9).

Os crentes de fato estavam sendo martirizados. Mas talvez o mais doloroso problema fosse o sentimento de desamparo que havia em seus corações. Enquanto os líderes mais antigos bem como os apóstolos eram mortos pela espada romana, uma onda de heresias abatia a Igreja. Os cultos de mistério proliferavam, bem como uma diversidade de filosofias e ideologias oriundas do mundo grego, todas contrárias à fé apostólica. Conforme D. A. Carson, nesse tempo, o proto-Gnosticismo iniciava suas primeiras incursões na Igreja cristã. Sem a liderança dos apóstolos, os cristãos bebiam de muitas destas fontes pagãs, corrompendo sua fé. De um lado, João clamava pela chegada de Jesus para a salvação de sua igreja. Por outro lado, a igreja se sentia desamparada, sem liderança, perdida, desconhecendo a resposta para o drama em que vivia. Quem estaria à frente da deles nessa hora de provação? Estavam eles ao jogo dos acontecimentos? Como os justos do Antigo Testamento, eles também clamavam: “até quando?” (Dn 8:13).

Podemos imaginar o coração de João. Angustiado pela provação de seu povo. Numa ilha de pedra, solitário, ele orava pela Igreja e pedia de Deus uma resposta.

Um novo dia amanheceu em Patmos como qualquer outro. Era um sábado frio de inverno e João, certamente estava de joelhos, orando. E aqui está a primeira lição que podemos aprender. Não devemos deixar o exercício da oração mesmo quando Deus parece distante. A pratica da oração não é para mudar o coração de Deus, nem mesmo para que Ele se manifeste a nós de modo evidente, mas para nos fazer entender seus planos, para nos dar força, e mesmo diante de Seu silêncio, nos leva empreender a luta e vencer. João estava orando e de repente uma luz intensa brilhou, como aquela que cegou a Paulo na estrada de damasco. Uma voz trovejou, e os olhos lacrimosos de João contemplaram a glória de Deus!

Jesus surge glorioso, vestido de rei e sacerdote, com fogo nos olhos, voz retumbante como de trombetas em coro ou uma cachoeira em seu arremesso de águas. Sua mão direita sustentava sete estrelas, enquanto seu rosto brilhava com a glória do sol no meio dia. Tão esplêndida e gloriosa foi a visão, que João caiu aos seus pés sem forças.

João contemplou a Jesus como Rei do Universo e Sacerdote de seu povo. João viu que acima das angustias e confusões do mundo, da arrogância dos reis em sua sucessão, Jesus ainda estava lá, supremo, glorioso, inabalável, como Senhor do seu povo e Pantocrátor do Universo. E João ouviu as palavras: “o que vês, escreve num livro e envia às sete igrejas”.(Ap 1:11). No Apocalipse, as primeiras palavras saídas da boca de Jesus traduzem um interesse pelo seu povo!

Eu sei que não temos todas as respostas para todas as questões de sofrimento. Mas pude aprender, em minhas meditações no capítulo 1 do Apocalipse, pelo menos duas verdades para nossos momentos de angústia:

1. Em primeiro lugar, aprendi que Deus jamais nos deixa abandonados, sem se comunicar.


“_ João, escreva e envia à minha igreja!” Está escrito como a primeira fala de Jesus no Apocalipse. E está escrito para dizer que Deus se importa conosco. Mesmo que todas as respostas não sejam dadas de modo imediato, elas serão dadas a seu tempo. Essa é a promessa da profecia do Apocalipse.

Uma verdade sobre a literatura apocalíptica é que Deus sempre se apresenta em tempos de angústia. Assim foi com Daniel e assim foi com João. Assim também é conosco, quando abrimos o Apocalipse e estudamos suas profecias. As igrejas do Apocalipse representam a totalidade do povo de Deus em todos os períodos da história.

Jesus não quer que estejamos com medo do futuro. O Apocalipse quer nos dizer que a igreja é importante para Deus. Ele deseja que nós confiemos nEle. Por isso há uma benção para aquele que estuda este livro (Ap 1:3).

As palavras “bem-aventurado aquele que lê, o que ouve e pratica” (Ap 1:3) nos recomenda que o Apocalipse deveria ser parte da liturgia dos cultos da Igreja. Jacques Dourkham sugere que aqui se encontra uma sugestão da liturgia das sinagogas. Alguém deveria ler e outros escutarem e todos praticarem a revelação de Deus para a Igreja. O Apocalipse deveria fazer parte de nossa liturgia com seus cânticos, suas profecias alentadoras e seus apelos à entrega.

Porque há uma benção no estudo do Apocalipse? O Capitulo 1 mesmo nos diz que ele revela algo sobre o envolvimento da Divindade em nosso favor e Sua obra através de Cristo.

João diz que o Apocalipse vem do Pai Eterno, dos Sete Espíritos e da parte de Jesus ( Ap 1:4-5). Com essas palavras, ele nos diz que todo o Céu está envolvido conosco. No Apocalipse, aprendemos que Deus é o Senhor de todas as coisas. Ele está no começo e está no fim de tudo. Ele sabe todas as coisas. Ele sabe o que temos armazenado na despensa de nossas casas. Ele contabilizou cada centavo que gastamos nesta semana e sabe o quanto mantemos em nossa conta bancária. Ele vê as nossas lágrimas secretas. Ele está vivo e no controle do universo. “EU SOU ... Aquele que vive; estive morto mas estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno.” (Ap 1:18). Ele domina a morte e a vida. Ele tem o segredo de todas as coisas e é o Senhor da História.

2. Em segundo lugar, aprendi que quando Ele se comunica, também nos revela quem nós somos: filhos amados e resgatados pela Sua graça (Ap 1:5).

O Apocalipse diz que Jesus é Aquele que nos ama e nos libertou pela sua morte (Ap 1:5b). Estávamos condenados à morte e a uma existência sem futuro. O pecado nos alcançou e nos fez prisioneiros da culpa e da morte. Mas Jesus viveu e morreu por nós. Somos amados pelo Céu e isso está claro na obra de Jesus. No Apocalipse, Ele é chamado de Cordeiro diversas vezes. E nós somos resgatados para sermos sua herança eterna. Fomos criados para a Eternidade. Temos uma Herança nos Céus.

De fato nós não podemos nada em função do nosso futuro. Nós somos frágeis na presença de Deus. Como João, nós caímos sem força diante de sua glória. Mas Ele é Aquele que que nos diz: “não temas” e com sua força e sustento, nos põe de pé. Podemos então contemplar as estrelas em sua mão. Essas estrelas são as igrejas (Ap1:20). A mão direita é a mão da força e do poder. É de suas mãos que vem o sustento para nós. E é unicamente pela forca de sua mão que nós ainda avançamos pela fé.

Eu termino com um desafio àqueles que ainda não aprenderam a amar as profecias. Abra o livro como se abrisse uma carta de Deus para você. Ele foi escrito para Sua Igreja, e se somos da fé em Cristo, somos também objetos de seu cuidado quando Ele se apresentou a João naquela fria manhã de Sábado e lhe comunicou aquelas palavras.  E aquelas palavras repletas de compaixão e graça ainda hoje orientam crentes sinceros, em suas lutas e esperanças.
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Nota 1. Os comentaristas do Apocalipse, ao mais das vezes, se utilizam da palavra domingo, em lugar do sábado, nesta citação. Porém a palavra grega Küriak hemera ( dia do Senhor) só poderia ser aplicado ao Sábado, que no NT está sempre estabelecido como o dia de Jesus, pois até do Sábado, é Senhor (Mt 12:8). Jamais se poderia ser aplicado ao dia domingo, pois neste tempo, era o dia dedicado ao culto imperial que declarava a César como Senhor e Deus.  

cite a fonte:
http://pastorclaudiosampaio.blogspot.com/