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Jesus de Nazaré: conhecendo o Jesus de Bento XVI.




“Quiz apresentar o Jesus dos Evangelhos como o Jesus real, como o "Jesus Histórico" no sentido autêntico. Estou convencido, e espero que o leitor possa ver, que esta figura é a mais lógica e historicamente considerada mais compreensível do que as reconstruções com as quais fomos confrontados nas últimas décadas. Penso que precisamente este Jesus -- o dos Evangelhos -- é uma figura racional e manifestamente histórica.” (Joseph Ratzinger - Bento XVI).

Nestas férias pude ler Jesus de Nazaré, de Joseph Ratzinger. A obra tem 330 pág. e se compõe de 10 capítulos, mais auxílios para pesquisa, como Bibliografia detalhada, índice remissivo e onomástico. Foi traduzida por José Jacinto Ferreira de Farias, do original Jesus von Nazareth, publicado pela Libreria Editrice Vaticana, Cita del Vaticano, em 2007. É parte 1 de 2, pois Ratzinger afirma que pretende lançar no futuro, uma segunda parte, composta dos relatos evangelísticos da Anunciação e da Infância. Desse modo, a presente obra já se inicia com o relato do batismo de Jesus e segue até o de Sua transfiguração no monte, por ocasião da última viagem a Jerusalém, quando será crucificado. Nos capítulos finais uma atenção especial é dada às principais imagens do Quarto Evangelho, à confissão de Pedro , e finalmente, às autoafirmações de Jesus.

Desde o título, nota-se que Ratzinger quer ater-se à noção histórica da pessoa de Jesus, e não se renderá à velha dicotomia entre o Jesus da História e o Cristo da Fé presente nos estudos eruditos acerca do Jesus Histórico. Ele partirá – nota-se – da pessoa histórica de Jesus como origem e moto da Fé. Além do mais, uma vez que o ceticismo bultmaniano tem recebido uma dose considerável de respostas, penso que seja uma boa resposta ao ceticismo de John Dominic Crossan, um dos fomentadores da Terceira Busca e componente do Jesus Seminar (= Seminário de Jesus), cujas obras escritas para as massas buscam ressuscitar as questões envolvendo as fontes e a influência dos mitos na composição da história de Jesus. 

Crossan lançou ha alguns anos, uma biografia crítica de Jesus, mais um estudo crítico recente sobre os relatos da infância nos evangelhos, lançando estes relatos para o campo dos mitos em íntima relação com os escritos apócrifos. Além da vigorosa exposição de Raymond Brown acerca do nascimento do Messias e mais recentemente, uma coletânea de debates com John Dominic Crossan editada por Paulo Augusto de Souza e Jonas Machado acerca da morte e ressurreição de Jesus, nenhuma obra crítica se contrapôs à visão de Crossan, pelo menos, no Brasil. Isso, penso, até o lançamento de Jesus de Nazaré de Joseph Ratzinger. É preciso salientar que Ratzinger sequer menciona Crossan, porém sua linguagem é leve, fluídica, acessível mesmo àqueles que não possuem aprofundamento teológico, de modo que acredito que se dirige também às massas. 

Trata-se de um livro excelente, pelo seu conteúdo. Atrai o leitor tanto pela clareza da linguagem quanto pela estrutura lógica dos textos. Ratzinger é tanto um mestre erudito quanto um aprendiz. Por pelo menos duas vezes confessa ter aprendido com o Rabino Jacob Neusner acerca da maneira aprofundada de contemplar a figura de Jesus de Nazaré nos evangelhos a partir de seu contexto judaico. Acerca do conteúdo, a obra também se destaca pelo tom Inovador das idéias, e por isso, penso que além de grande sucesso de público (foi best-seler na Europa), Jesus de Nazaré, de Ratzinger, tem todos os ingredientes para tornar-se um grande clássico. E nessa oportunidade, Gostaria de destacar alguns pontos singulares que pude detectar a partir de sua leitura. 

1. A começar, cito como diferenciada a própria metodologia adotada por Ratzinger, que ao adotar o método histórico-crítico, na introdução da obra, condena suas limitações, dando-lhe novo fôlego, destacando a primazia da Escritura, e estabelecendo assim, um paradigma para a investigação da Escritura para os que fazem uso deste método. Na verdade, Odilo Sherer e Raymond Brown são citados por Joseph Fitzmayer em sua obra “Escritura, a alma da teologia”, Loyola, 1997, como bons expoentes deste método por reconhecerem, em sua exegese, a primazia da Escritura. E isso Ratzinger faz com maestria. Seu ponto de partida, no primeiro capítulo, é a promessa de Moisés em Deuteronômio 18.15, acerca da chegada de um profeta escatológico com quem Deus falaria face a face. Para Ratzinger, essa promessa se realiza em Jesus. Sua obra tenciona, acima de tudo, apresentar a maneira como Jesus nos revela a face de Deus a partir de Seu diálogo íntimo com o Pai. A partir disso, Ratzinger busca a experiência que ele mesmo define como contemplar a face de Deus em Cristo.

2. Outro ponto especial é a forte Cristologia dos ensinamentos e parábolas de Jesus, que ao ver de Ratzinger (e que é muito bem exposto) partem diretamente da pessoa de Jesus e de Seu contexto judaico e as apresenta como exposições de Jesus sobre Si mesmo, à luz das Escrituras. Coloca-os acima de um mero código de conduta formulado por um sábio do primeiro século: é Ele o intérprete profético da Torah, não um mero rebelde ou um cínico liberal. Nisto se diferencia claramente o Jesus de Ratzinger do daquele de Bultmann e Crossan: enquanto que para o primeiro a Cristologia é um fruto da gnose, e para o segundo, fruto da política, para ele, é o Jesus Histórico o ponto de partida para a composição da Cristologia dos evangelhos, e por isso, somente a partir de Sua pessoa histórica se poderia entender a singularidade daquilo que Ele mesmo ensinava.

3. Outro detalhe que pode ser ressaltado é a maneira como Ratzinger busca de modo sutil estabelecer um diálogo com o Judaísmo. Ele parte da visão do Rabino Neusner sobre alguns ditos e ensinos de Jesus, que segundo o próprio Neusner seriam claras evidências de que Ele, Jesus de Nazaré, exigia para Si mesmo as prerrogativas divinas, uma vez que a aceitação e vivência de tais exigências O colocavam acima de um mero Mestre ou profeta hebreu. Apesar da recusa de Neusner em aceitar as prerrogativas de Jesus nos evangelhos, Ratzinger parte de seu ponto de vista para ampliar o diálogo com o judaísmo, estabelecendo Jesus como um verdadeiro judeu, embora em Sua essência, Ele se projetasse para além dessa concepção: para Ratzinger, com base na mesma visão de Neusner, Jesus se reconhecia Divino.

4. De modo especial, pode-se destacar a forte linguagem de Ratzinger na apresentação da Cristologia do Quarto Evangelho. Dialogando com os grandes nomes da Teologia protestante e católica, o autor vai além das propostas de teólogos como R. Bultmann, R. Pesch, M. Hengel, e Ingo Broer. Com Bultmann, revisa o conceito do mito do redentor. Para Bultmann, o teologúmeno da encarnação do redentor seria um fruto da gnose. Para Ratzinger, nada de concreto se demonstrou para estabelecer este conceito gnóstico para antes do século 2 da Era Cristã. Assim, a idéia da encarnação do redentor é primordialmente cristã. Questiona também a proposta de Hengel e Ingo Broer, para quem o evangelho é uma obra apenas literária que dá testemunho da fé. Segundo Ratzinger, como poderia o evangelho ser literário se é um testemunho? E como poderia ser testemunho se deixou para traz de si a história? Para o autor, se a fé não nasce da carne, é gnose, de modo que a proposta joanina, afirmada diversas vezes no evangelho, é um testemunho e por isso mesmo, é histórica. Porém, reconhece que como história, é ele um recordar coletivo (= nós), que não se torna apenas uma particular apreensão da pessoa de Jesus, mas um recordar da comunidade com o olhar na Escritura. A história de Jesus é, desse modo, memória teológica que lê a história à luz da Palavra de Deus, e não à luz dos mitos: ela se torna compreensível quando parte da história para uma palavra da Escritura que a lança para além da facticidade presenciada.

5. Vale ressaltar também o lugar das auto-afirmações de Jesus. Na avaliação de Ratzinger, o esforço de resumir em títulos o mistério da pessoa de Jesus prosseguiu mesmo depois da Páscoa. A palavra Messiah tornara-se quase incompreensível fora do espaço semita e por isso, surge o título “Cristo” e o título Messiah desaparece, dando lugar ao nome: Jesus Cristo. Kyrios (Senhor) torna-se uma paráfrase do nome de Deus, tanto no Antigo Testamento quanto no Judaísmo tardio, e isso revela que a comunidade o identificou como o Deus Vivo presente com os homens. Na concepção de Filho de Deus, não se deveria entender o título com sentido mitológico (Bultmann?) nem político (Crossan?). Ratzinger entende que essa interpretação da pessoa de Jesus necessita ser entendida de modo literal. “Filho de Deus” no sentido derivado: Nele há o diálogo permanente da Divindade, e é-nos dado como um testemunho. Ratzinger reconhece que houve desenvolvimento na Cristologia, não porém, criação. É sempre fruto de um recordar da história à luz da Escritura.

Quanto às auto afirmações de Jesus, ele analisa os termos “Filho do Homem”, “Filho” e “Eu Sou”.

5.1. Na avaliação de “Filho do Homem”, no entender do autor foi a expressão mais utilizada por Jesus, e quem busca estudá-la no campo da exegese encontrará um cemitério de hipóteses entre si contraditórias. Como Bultmann, ele estabelece os ditos do Filho do Homem em três áreas: o que vai chegar, que Jesus busca distinguir-se dele; o que atua no presente; e o que sofre e ressuscita. Mas Ratzinger entende que este título se encontra no mesmo nível dos ensinos de Jesus por meio de parábolas, e busca por meio dele, introduzir o escondido. Numa leitura de Daniel capitulo 7, busca entender a origem do Filho do Homem contraposta à dos quatro animais: eles vêm de baixo, do abismo, das águas do mar; ele, o Filho do Homem, entretanto, vem de cima, do Céu, e representa o Reino mediante o qual o mundo chega a seu fim. Desse modo ignora a idéia de que haja na tradição judaica uma noção de Filho do Homem ligada à esperança messiânica que anteceda a Jesus. Ele, Jesus, teria dado a este título uma nova forma, relacionando-o à Sua ação e à expectativa consigo mesmo. Segue na verdade, uma lógica apresentada desde E. Schweizer, Leonhard Goppelt e Odilo Sherer: que no Filho do Homem, Jesus se apresentava de modo a revelar-se e ocultar-se ao mesmo tempo.

5.2. Sobre o título cristológico “Filho”, Ratzinger propõe distinção entre este e o de “Filho de Deus”. Na concepção político-religiosa semítica, Filho de Deus se relacionaria a uma cerimônia de entronização, como divina adoção. Parte da adoção de Israel como primogênito de Deus e a transferência dessa ideologia para o rei no monte Sião, por ocasião da entronização de Davi como rei em Jerusalém. Com a promessa de um filho dada pelo profeta Nathan em 2Samuel 7.12s, e estabelecida de modo profético no Salmo 2, o tema da entronização ocorre mais uma vez. Para Ratzinger, a promessa do Salmo 2 ultrapassa a concepção de um mero rei terreno. O domínio universal contido no Salmo 2 que dá ao rei “as nações por herança” ultrapassa a promessa de um reino terreno e anuncia a esperança de um reino que haveria de vir. Essa palavra profética foi aceita como aplicada a Jesus por ocasião de Sua ressurreição dos mortos. Com sua ressurreição e entronização, Ele é Aquele que recebe as nações por herança, conforme o Salmo 2 anunciava. Desvincula-se assim de “Filho de Deus” cujo sentido conflitava com a ideologia política dos Césares romanos. Porém, “O Filho” está presente na boca de Jesus e introduz Sua pessoa na própria intimidade de Deus Pai. Ele tem assim, uma “unidade do ser” com o Pai.

5.3. Sobre o “Eu Sou”, Ratzinger dialoga com as propostas de E. Norden (para quem esse dito se origina dos típicos discursos de revelação do Oriente) e com E. Schweizer (para quem o dito tem origem nos escritos dos Mandeus). Porém, entende que suas propostas têm base em escritos mais recentes que os do Novo Testamento, e por isso, só se deve entender essa auto-afirmação a partir de onde Jesus se encontrava: Seu ambiente judaico. Assim, Ratzinger parte de dois textos especiais do Antigo Testamento: Êxodo 3.14 e Isaías 43.10, com a temática do Êxodo. Ligando-os a João 8.28, se entende que Jesus é a revelação de Deus e a sarça ardente agora é a cruz. Nela se revela quem é Deus: Deus é amor. As variações do “Eu Sou” mediante sete imagens em João (água, pão, bom pastor, etc.) são apenas variação de um único tema: “Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância” (João 10.10).

Ao revisar as três palavras, Ratzinger entende que todas elas têm sua origem no Antigo Testamento e só em Jesus elas encontram seu pleno sentido; e arremata: “por assim dizer, elas esperaram por Ele”.

Finalizo declarando que depois de tantas propostas populares e céticas acerca de Jesus de Nazaré postas à disposição das massas, talvez esta seja a obra acadêmica mais equilibrada acerca de Jesus e Sua identidade histórica, lançada no Brasil nos últimos anos. Sucesso de vendas e de crítica. Uma autêntica busca da pessoa de Jesus com ênfase canônica. Recomendo. [Claudio S. Sampaio].

* errata: onde antes se lia E. Schweitzer, agora se lê: E. Schweizer. 


Detalhes da obra:


 


RATZINGER, Joseph – Bento XVI. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à transfiguração. Traduzido por Jose Jacinto Ferreira de Farias. Planeta. São Paulo, 2007. 330 pág. Publicado originalmente pela Libreria Editrice Vaticana, Cita del Vaticano, em 2007.

Orelha 1: Sinopse

«...Somente se aconteceu algo de extraordinário, se a figura e as palavras de Jesus superaram radicalmente todas as esperanças e expectativas de então é que se explica a sua crucifixão e a sua eficácia. Cerca de vinte anos após a morte de Jesus, já encontramos, no grande hino a Cristo da carta aos Filipenses (2, 6-11), uma cristologia plenamente desenvolvida, na qual se proclama que Jesus era igual a Deus, mas despojou-Se a Si mesmo, fez-Se homem, humilhou-Se até à morte na cruz, e agora é-Lhe devida a homenagem da criação inteira, a adoração que, no profeta Isaías (45, 23), Deus proclamara como devida apenas a Si mesmo. 

Com razão a pesquisa crítica se põe a pergunta: O que é que aconteceu nestes vinte anos que se seguiram à crucifixão de Jesus? Como se chegou a esta cristologia? A acção de formações comunitárias anónimas, cujos mentores se procura descobrir, na realidade não explica nada. Como é possível que grupos desconhecidos pudessem ser tão criativos, convencer e deste modo impor-se? Não é mais lógico, mesmo do ponto de vista histórico, que a grandeza do fenómeno se encontre no princípio e que a figura de Jesus, na prática, tenha feito saltar todas as categorias disponíveis e deste modo tenha sido possível compreendê-la apenas a partir do mistério de Deus?» (BENTO XVI).

cite a fonte
http://pastorclaudiosampaio.blogspot.com

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