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Tiradentes Revisado: A força da presença de Jesus em nossa historiografia

Texto publicado originalmente em 21 de abril de 2010.
"Dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria" (frase atribuída a Tiradentes)
Em um discurso inflamado, na terça-feira, 20 de abril de 2010, o Senador Cristovam Buarque do PDT-DF, chamou a atenção para as quatro grandes efemérides de abril, as quais, segundo ele, “não podem passar em branco”: 

  • a Descoberta do Brasil (22 de abril), 
  • o Dia do Índio (19 de abril), 
  • a Inconfidência Mineira e a inauguração de Brasília (ambas em 21 de abril). 

Em relação aos motivos de seu apelo, Cristovam afirmou que enquanto a importância da data da descoberta do Brasil é medida pelo fato de que é o marco de nosso começo histórico, o Dia do Índio seria a marca de “uma grande tragédia, um verdadeiro genocídio”. De acordo com o senador, o Brasil tem “um grande débito” com a população indígena que não está sendo devidamente pago. E eu, em tudo, concordo com o afirmado em relação às duas primeiras datas.

Mas de modo especial quero chamar a atenção para sua ênfase no feriado da Inconfidência Mineira e ao seu personagem maior, Tiradentes. Em 21 de abril, para Cristovam, ocorreu “o ato máximo de heroísmo de um brasileiro que representa e simboliza a luta pela independência”, com o martírio de Tiradentes em conseqüência da Inconfidência Mineira. Por isso, na mesma data, teria sido inaugurada mais tarde a nova capital do país, sendo que esta foi “pensada ainda no século 18, pelos próprios inconfidentes”.

De minha parte, o que mais me chama a atenção no discurso de Cristovam Buarque é a sua ênfase no heroísmo de Tiradentes, uma vez que a maioria dos historiadores tem reconstruído a história da Inconfidência a partir de outro prisma. Sabedor da vasta cultura do senador, de imediato me pergunto qual teria sido a razão de sua insistência na preservação do mito, que, segundo creio, se desvanece a cada ano. 

Recordo que em meus tempos de estudante primário, entre as comemorações escolares envolvendo as efemérides de abril, a história do martírio do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, era a minha preferida. O aspecto heróico de seu idealismo libertário, sua traição, sua morte, seu esquartejamento, seu semblante sisudo com barbas e cabelos abundantes, à semelhança da iconografia de Cristo -- todo o conjunto era um mosaico impactante, que pela sua riqueza de detalhes, comoviam meu coração, fazendo com que a figura do mártir conquistasse de todo as minhas mais profundas afeições. E hoje, relembrando a minha primeira ida a Brasíla, cerca de 15 anos atrás, penso que o momento mais marcante da viagem se deu na visita ao Panteão da Pátria e da Liberdade, localizado na Praça dos Três Poderes, onde pude assistir ao documentário ilustrado da história da Inconfidência Mineira. 

Porém, hoje, sinto que na verdade, a figura heróica de Tiradentes se encontra quase perdida. Neste momento histórico marcado pelo pós-modernismo, no qual uma das principais marcas é a queda dos mitos, nossos heróis estão fadados ao esquecimento. Em matéria, a home page do Café História publicou que em entrevista ao povo de Curitiba, durante uma reportagem do jornal Gazeta do Povo, frente à pergunta “quem foi Tiradentes” a resposta variava sempre em torno do “não sei” e “não lembro”. Diante disso me pergunto: o que houve com a memória nacional do grande mártir da inconfidência?

Fatos Históricos


Para quem não se lembra, Joaquim José da Silva Xavier era um cidadão brasileiro, nascido em 1746, em Minas Gerais e morto em 1792, no Rio de Janeiro. Nasceu na Fazenda do Pombal, localizada entre a antiga São José (hoje Tiradentes) e São João Del Rei. Era filho de pai abastado, que logrou alcançar o posto de Vereador de São José. Tinha dois irmãos que seguiram a vocação eclesiástica e um mais novo que alcançou patente de Capitão das milícias. 

Desde pequeno, foi marcado pelo seu espírito de superação. Órfão desde os onze anos, aprendeu as primeiras letras sem freqüentar escola regular. Foi mascate, minerador e médico prático. Sua alcunha de Tiradentes lhe veio pela destreza com que manejava o boticão e no cuidado dos dentes do povo. Como soldado, pertenceu ao Regimento de Dragões de Minas Gerais, e como Alferes, foi Comandante da patrulha do Caminho Novo, de Vila Rica a Rio de Janeiro. Após um período de serviço exemplar prestado sob elogios do Governador Luiz da Cunha Meneses, abdicou de seu posto e retornou à mineração e em projetos de melhoria para a cidade do Rio de Janeiro. 

Diz-se que Carregava sempre um exemplar da constituição americana no bolso, do qual lhe vieram os ideais libertários. Para ele, como também para os demais que promoveram o levante de 1789, a independência do Brasil só seria possível mediante a não desvinculação da política com a economia. Em reuniões fechadas, com o movimento incipiente, discutia idéias como a abolição da escravatura, criação de universidades, etc. como fruto da sonhada independência. 

A revolução estava marcada para o dia em que o recém-empossado governador de Minas Gerais, Visconde de Barbacena iniciasse a cobrança dos “quintos” (impostos sobre o ouro) em atraso. Tiradentes mesmo seria aquele que o prenderia quando recebesse a senha “tal dia é o batizado”.

A insurreição teve porém, um delator. Tiradentes foi então preso, em 1789. Em Minas Gerais foram feitas mais ou menos vinte prisões, porém destas, apenas Tiradentes foi condenado. Talvez por ser o menos importantes de todos, ou então pelo fato de haver assumido a culpa. Depois de três anos de processo, e pelo fato de assumir toda a responsabilidade da Rebelião, foi condenado à forca. Após caminhar pelas principais ruas da cidade do Rio de Janeiro, para exemplo ao povo, subiu ao patíbulo em 21 de abril de 1792. Depois de morto, cortaram-lhe a cabeça e esquartejaram-lhe o corpo; e com seu sangue lavrou-se a certidão de que foi cumprida a sentença. Sua cabeça apodreceu em uma gaiola sobre um poste em Vila Rica e seus quartos ficaram expostos ao longo do Caminho Novo, onde em outros tempos, ele mesmo fizera inflamados discursos em favor da liberdade. 

Porém, até que ponto isso corresponde à realidade dos fatos? Na atualidade, há um consenso de que maior parte da história envolvendo o martírio de Tiradentes retratado nos livros e na iconografia são na verdade, frutos de um mito projetado sobre sua figura, que -– diga-se de passagem –- aos poucos se vê mais e mais desvestido de sua roupagem, revelando, a realidade de sua face. 

Se for de fato um mito, de onde veio? Qual o berço de sua origem? As únicas fontes para a descoberta do personagem se encontram nos “Autos de Devassa da Inconfidência Mineira”, publicados pela Imprensa Oficial, Belo Horizonte,1982, em forma de documentos. Fica, porém, a lembrança de que qualquer documento pode ser falsificado ou alterado, e cabe ao historiador não ser de todo, ingênuo.

Revisando a História


Citando Frei Raimundo Penaforte, Sérgio Vaz Alkmim descreve em sua matéria o dia da morte de Tiradentes como sendo “o dia que lhe abriria a eternidade”. Segundo ele, a presença do mito na pessoa de Tiradentes foi forjado pelos Franciscanos , que o transformaram em um modelo de homem cristão generoso, arrependido, castigado, mas preparado para uma boa morte. Segundo os ditos Frades, que foram confessores dos rebeldes do movimento, ele, Tiradentes, teria recebido de modo sereno a condenação, reconhecendo a seriedade de seus pecados e o merecimento de sua sentença. Após a leitura de sua condenação, sua reação teria sido de alegria pelos outros réus favorecidos pelo perdão real. Sequer foi necessário empenho em aliviá-lo diante de sua sentença. Descrevem sua caminhada palas ruas da cidade rumo ao patíbulo como se fosse a caminhada do próprio Cristo: teria beijado os pés do carrasco e o perdoado; e após vestir a túnica, despe-se da camisa, e caminha para a morte com o crucifixo na mão. A partir dessa imagem, descrita pelos Frades, se formou o mito do herói e mártir que morre pela pátria. 

Essa imagem mítica não teria se formado por acaso. A época, marcada pela alta religiosidade e pela necessidade de uma figura exemplar que marcasse a memória do povo não apenas em função do idealismo político, como também da religiosidade, fez com que o mito surgisse e se perpetuasse de modo definitivo na figura de Joaquim José da Silva Xavier. Os ideais cristãos, especialmente, se cristalizam em Tiradentes como uma figura marcada pela humildade, generosidade, arrependimento e esperança.  

Por outro lado, a rejeição dessa imagem , não é, todavia, recente. Como consta na obra de grande fôlego escrita Joaquim Norberto de Souza e Silva (História da Conjuração Mineira, 1873), seja na vida ou na morte, Tiradentes não foi bem acolhido pelo autor, que era monarquista. Ele denuncia que Tiradentes teria morrido não como um grande patriota, com os olhos cravados no povo, mas apenas como um cristão preparado pelos sacerdotes para uma boa morte. Desse modo, ele entende que Tiradentes não possuía nem mesmo condições morais --devido principalmente, à uma suposta falta de caráter--, de ser o cabeça da conjuração. 

Em longa matéria, com base nos Autos de Devassa, Xico Lopes expõe dois pareceres acerca de Tiradentes: o primeiro, de desprezo pelo seu caráter; e o segundo, de destaque moral como elemento promotor do levante de 1789. Porém, os dois motivos são questionáveis. Sobre a afirmação acerca da pessoa de Tiradentes, presente nos Autos de Devassa, de “que ele não é pessoa, que tenha figura, nem valimento, nem riqueza, para poder persuadir um povo tão grande a semelhança asneira” (Autos de Devassa, vol. 9, p.254), fica, porém, em contrário, a sua história passada, de homem sempre motivado em seus empreendimentos, especialmente durante o período de sua carreira militar. 

Até mesmo para o registro da condenação do próprio Tiradentes há divergência de opiniões. Sobre esse ponto, consta nos Autos de Devassa o registro de sua negação de ser ele o instigador da insurreição, o que teria sido declarado por pelo menos três vezes. Quando se menciona sua aceitação da culpa, já em seu quarto interrogatório, ele mesmo teria alegado que sua rebelião se devia pela sua revolta para com o Governo, que apesar de sempre enviá-lo em arriscadas missões como Alferes, o fez preterido em diversas vezes, nas promoções a um posto mais privilegiado na carreira militar (conf. Autos de Devassa, vol.5, p.36). 

Como se nota, se isso é verdade, nada de heróico havia nos motivos de Tiradentes, para sua rebelião. Mas o fato é que ela ocorreu, e isso correspondia aos anseios do povo, desde há muito, explorado pela Coroa portuguesa. 

O mito de Tiradentes como mártir e herói em seu caráter político teria se instalado de modo definitivo, em função da Proclamação da República Brasileira. Os republicanos necessitavam de um herói nacional que não fosse apenas emblemático como republicano radical, mas de um vulto civil e religioso, correspondente ao espírito cristão do povo, que nele visse a si mesmo como mártir, integrador, idealista. A proclamação da República seria, assim, uma continuidade do sonho do mártir, cujo sacrifício não poderia ficar em vão. 

Desse modo, Tiradentes cai no gosto do povo e por ele é preservado. E depois de anos de sua morte, o mito perdura: seu nome está no Livro de Aço, que relaciona o nome dos homenageados através do Panteão da Pátria e da Liberdade, localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília. 

A Presença do Sagrado no Mito


Talvez o mais fascinante acerca do mito, é o modelo sobre o qual ele é formado. Se de fato o mito do martírio de Tiradentes parte da visão cristã dos Frades Franciscanos, transmitida a ele à hora de sua morte, vê-se que é a partir de Cristo que se projeta nele o mito do homem que morre pela nação. Citando Sérgio Vaz, em seu artigo:

“No dizer de Mircea Eliade, historiador das religiões, sobrevive na condição humana a angústia perante o tempo. Desta forma, o pensamento mítico não está morto, sobrevive adquirindo novas formas, novos disfarces e, principalmente, reside sob os auspícios da historiografia. 
O Tiradentes dos Frades Franciscanos consegue reunir em torno de si as principais características do pensamento mítico analisado por Eliade. Segundo ele, o Cristianismo conserva um comportamento mítico através do tempo litúrgico que acaba por recusar o tempo profano, recuperando periodicamente um grande tempo, as origens primordiais. A imitação de Cristo como modelo exemplar, a repetição de seus passos pela vida, a morte, a ressurreição, constituem a contemporaneidade do cristão”.

Como bem observa Sérgio Vaz Alkimim, o mito de Tiradentes se faz presente como uma tentativa do espírito cristão de romper com a tirania do tempo profano. O tempo sagrado, ou primordial, se torna contemporâneo quando se percebe no presente uma vivência deste tempo dentro do tempo profano, que nele reproduz seu aspecto litúrgico, o que nada mais é que a celebração da fé como experiência atual. A história comum de um homem, o Tiradentes, se torna assim, integrada ao sagrado, na reprodução dos passos da caminhada de Jesus em sua vida, morte e ressurreição. Por isso, pode se dizer que na tentativa dos Frades de reproduzir a experiência de Cristo na história comum de Tiradentes, se formou o mito a partir desta história. O personagem, Cristo, assim, se torna maior que a história, e dá novo sentido a ela. 

Diante disso, o interesse nacional em preservar a memória de Tiradentes se deve pelo que ele traz ao povo como ideal de liberdade e pela maneira como alimenta o imaginário coletivo em sua busca de referência e esperança de libertação. Porém, destaco que, acima de tudo, devido ao seu espírito essencialmente cristão, a memória de Tiradentes ainda permanecerá através dos anos. Ela nasce dessa memória cristã e sobrevive à sombra dela.

A Atualidade do Mito


Concluindo, prefiro pensar não haver da parte do ilustre Senador, por ocasião de seu discurso, uma ignorância acerca dos fatos controversos relacionados à verdadeira face de Tiradentes. A mim me parece mais uma tentativa nobre de renovar os ideais democráticos quase em risco de falência, diante da constância de escândalos envolvendo os homens públicos de Brasília-DF. De modo especial, fica a sujeira moral espalhada pela vilania do ato do ex-Governador; sujeira da qual, Cristovam mesmo admite, não tão cedo a população ou mesmo a história da capital se verá livre. 

A data de 21 de abril também se comemora o aniversário de Brasília/DF. Fica meu voto de que o exemplo desses heróis do passado mobilize a consciência de nossos homens públicos, fazendo com que os ideais da democracia tão ansiosamente buscada e não encontrada cada vez mais se solidifique no solo de nossa pátria, a começar de lá. 

E fica a lição final da força da imagem e da Pessoa de Cristo, que perpassa a História, influenciando a vida, o pensamento, o comportamento e a ação das gentes em todos os tempos, em suas buscas e realizações, na grande caminhada da esperança. Sem medo, podemos afirmar que Ele sim, é o grande Herói, que entrou sozinho na batalha, como grande Pastor divino em socorro de Seu rebanho. Ele é aquEle que desceu ao vale da sombra da morte, e sendo vitorioso sobre ela, trouxe em Seus ombros a ovelha amada, sob o preço de Sua vida e Seu sangue. 

Que Ele, avesso ao que ocorre a Tiradentes, jamais se desvaneça de nossa memória, mas que permaneça sempre como nosso Supremo Herói e Libertador. - Por Claudio Soares Sampaio.

Algumas fontes da pesquisa na internet:

1. "Tiradentes". in: Enciclopédia Britânica Editores Ltda vol. 13. William Benton, Editor. Rio de Janeiro-São Paulo, 1969.
2. ALKMIM, Sérgio Vaz. Tiradentes, o mito. 
3. LOPES, Xico. A "Construção de um Mito: afinal, quem foi Tiradentes?"
4. Um Resumo das matérias: discurso do senador e sobre o esquecimento de Tiradentes.


Cite a fonte:

http://pastorclaudiosampaio.blogspot.com/

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