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O Chicote Não Foi por Acaso 2

-->Que motivos teriam levado Jesus a empreender a expulsão dos vendilhões no Templo de Jerusalém no ano de Sua morte? 

por Pr. Claudio Sampaio
em São Francisco/MG

Recentemente, pude receber do colega Willian Felício um excelente artigo intitulado “O chicote não foi por acaso”, que trata do ato público de Jesus quando expulsa os vendilhões do Templo, nos dias iniciais de Seu ministério. É um texto de extrema riqueza, e tão interessante o tema foi para mim, que tive curiosidade de mergulhar um pouco mais na pesquisa no mesmo instante em que o recebi. Busquei avaliar o mesmo ato de Jesus, agora nos dias finais de Sua caminhada. O propósito deste ensaio não é discutir as verdades especificadas pelo William; é tão somente buscar as razões e motivações de Jesus para aquele ato insólito, levando em conta o registro em Marcos, capítulo 11.  

Na análise do texto, Jesus teria entrado em Jerusalém numa primavera do ano 31, ano de Sua morte. A descrição bíblica em Marcos é rica em detalhes. Ali se diz que Jesus veio montado em um burrico sob encomenda. (Mc 11.2). O burrico foi trazido, vestes foram colocadas e sobre ele Jesus montou, entrando pelos portais de Jerusalém sob o aplauso e aclamações do povo (Mc 11.7ss). somente em seguida, se diz que Ele teria entrado no Templo e expulsado a todos os que ali faziam negócios.  

Qualquer leitura apressada destes relatos verá apenas fatos históricos. Entretanto, cabe ao teólogo e cristão, interpretar a fé à luz da história ou mesmo a história a luz da fé. E neste ponto podemos aprender algo interessante: o ato de Jesus no Templo foi intencionadamente catártico, profético e revolucionário, convergindo acima de tudo para a Sua identidade messiânica e ao tema da verdadeira adoração. Notemos que em toda a sua jornada para Jerusalém, foi intenção de Jesus abrir os olhos dos discípulos acerca da verdadeira identidade do Messias que Ele era. Pelo menos por três vezes falou de sua morte e ressurreição em Jerusalém como algo necessário (Mc 8.31; 9.31; 10.33-34), mas como o mesmo texto diz, eles eram incapazes de entender o discurso de Jesus (Mc 9.32). Mas ao entrar em Jerusalém daquela maneira, Jesus se anunciava como Rei e Filho de Davi, reivindicando para Si mesmo, a autoridade real predita nas profecias judaicas.  

M. J. Borg & J. D. Crossan apresentam a idéia de que na primavera do ano 30 dC. também o exército de Roma entrara em Jerusalém com o imperador à frente, ostentando sua autoridade real. Cavalos imponentes, armas, estandartes e soldados eram o modo de declarar a soberania de Roma sobre o povo de Jerusalém.  

Entre os dois grupos que entraram pelos portais, imperava o contraste. Se na mentalidade judaica e mesmo entre os apóstolos havia esperança de que Jesus se anunciasse como rei à maneira dos Césares, Ele o fez de modo totalmente diferente. E a mensagem contida no gesto de Jesus não poderia ser desvinculada do seu sentido político. Jesus impôs um contraste entre a realidade de Seu Reino e o Reino profano dos homens. Um elemento do pano de fundo neste ato de Jesus no Templo é destacado por Book em seu livro: segundo ele, havia dentro da expectativa messiânica, a idéia de que ao seu surgimento o Messias teria parte em uma adoração renovada no Templo de Jerusalém. Por isso, as atitudes que Jesus tomará em seguida entram no mesmo processo de contrastes. É como o Rei Messiânico que Ele vai ao Templo e avalia a adoração dos judeus. E ao chegar ali, Ele reprova o que vê.  

Ao invés de oração Ele ouve o eco dos pregões. Ao invés da recitação da Torah, Ele escuta o balido das ovelhas e o mugido dos novilhos. Ao invés de uma atmosfera de adoração, tudo cheira a interesse próprio e comércio profano.  

Desse modo, Ele tece o chicote e vira as mesas, expulsando a todos.  

Mas nada foi feito por acaso. Tudo foi judiciosamente calculado. Notemos Sua entrada silenciosa no Templo à tardinha daquele mesmo dia, antes de partir para Betânia. Diz-nos Marcos que Jesus entrou no Templo e tendo observado tudo e como era já tarde, partiu para Betãnia (Mc 11.11). Na verdade, a primeira visão de Jesus sobre a situação do Templo veio um dia antes da atitude radical que Ele tomaria em seguida. Não foi uma atitude passional, o ato de limpar o Templo naquela manhã de segunda feira.  

Ao ir para Betânia naquela noite de domingo, Jesus teria caminhado absorto, ruminando as idéias, avaliando, medindo, dimensionando o peso daquilo que presenciara e a ação que de imediato se exigia.  

Teria preparado o chicote em casa. Casa de quem? De Lázaro? Teria feito uma oração antes de partir pela manhã como qualquer missionário faria antes de partir em uma missão difícil? O que sabemos com certeza, entretanto é que quando Jesus partiu de Betania a Jerusalém, Ele o fez tendo um propósito definido.  

Então veio o acontecido.  


As mesas foram viradas.  

Os vendedores expulsos.  

Os animais libertados.  

E o Templo ficou limpo.  

E os doentes vieram.  

E de repente, o som de louvor encheu a Casa de Deus.  

Porque teria Jesus se revoltado com aquele tipo de atitude na Casa de Deus? O que aquele ato profético de Jesus significa para nós que vivemos à luz dos dias finais e que tencionamos restaurar o verdadeiro culto para Deus?  

A causa da indignação de Jesus pode ser detectada em Suas palavras naquela ocasião, as quais, segundo Marcos, era um ensino sobre o que Ele acabara de realizar: “E lhes ensinava, dizendo: Não está escrito: Minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Mas vós a têm feito covil de ladrões.” Essas palavras de Jesus nos ensinam três coisas acerca dos motivos que levaram Jesus à purificação do templo naquela manhã de 31 dC.  

1. Em primeiro lugar podemos supor que Jesus agiu daquele modo porque a casa onde os homens podiam buscar a Deus de modo gracioso se tornou uma casa onde a busca de Deus se tornara um caminho árduo.

Uma Casa erguida para Deus deve ser acima de tudo um local onde podemos encontrá-Lo e adorá-Lo. E certamente uma maneira de encontrá-Lo é através da oração. Mas na adoração em Jerusalém, a ênfase recaiu sobre a multidão de sacrifícios. Na verdade, era cultura geral daquele tempo que divindades fossem aplacadas com sacrifícios cruentos. Essa falsa adoração ligada a uma falsa visão da divindade, presente nos ritos cananeus tomou lugar entre os judeus desde o período interbíblico. Após a dominação grega no século 2 aC. sobre os judeus, uma posição rígida quanto à Lei era alardeado como a única maneira de alcançar o favor de Deus. De um lado, havia o perfeccionismo farisaico em vigor, dominante nas sinagogas. Oposto a estes, surgiu uma elite religiosa liberal, os saduceus, os quais tendo uma hegemonia sobre o Templo, segundo Mateos & Camacho, estavam mais ligados aos interesses materiais e profanos do que mesmo a extrema fidelidade a Deus e ao Seu culto. E quando a vontade humana interfere nos propósitos de Deus na adoração, os resultados não são os melhores.  

O Templo era também um símbolo de sua dominação, pois era para ali que convergiam os peregrinos, que segundo fontes, chegavam a 200.000 numa época de Páscoa. A multidão de sacrifícios era tamanha, que ao descrever o rio de Cedrom nestes dias de festa, Josefo o descreva como um rio de sangue. Consideremos que os sacerdotes deviam pagar tributo do Templo. Assim, a religiosidade se tornou um interesse comercial. Por isso Jesus expulsou os que “vendiam” e “compravam” mencionando inclusive os que vendiam pombas (Mc 11.15). A Casa de Deus em Jerusalém não era mais um local onde as graças eram alcançadas, Mas um local de permuta entre o homem e Deus. A exploração e a prática religiosa andavam de mãos dadas.  

Numa palavra, a religião do Templo não elevava o homem a Deus. Não dizia nada acera da proximidade de Deus nem encorajava ao homem a graça de encontrá-Lo. Pelo contrário pregava que era trabalho do homem trazer Deus para baixo. Aqueles homens do Templo ensinavam qualquer coisa, menos uma Casa de Oração onde Deus se encontrava ao alcance daquele que o buscava de inteiro coração. Por isso Jesus se indignou com eles e os expulsou naquela manhã.  

2. Em segundo lugar, podemos supor que Jesus agiu daquele modo porque a casa onde os pecadores deveriam ser alcançados, a elite religiosa trabalhava no exclusivismo religioso e no desinteresse pelo perdido.

A religião de Israel era sob os olhos de Deus, claramente redentiva. Não era de nenhum modo, um patrimônio exclusivo de Israel, mas sim um meio de salvar o mundo todo. Por meio dela, todas as gentes deveriam ser alcançadas para o Deus de Israel. Havia promessas de Deus para os gentios (Is 56.1-8). Mas com o passar dos anos, a religião que fora dada com o propósito de unir as gentes sob o Nome gracioso de Deus, tornou-se uma religião exclusivista, voltada para seu próprio interesse. E o Templo, com seus ritos e imposições havia de certo modo, fugido ao ideal de Deus.  

Em seu comentário, W. Hendricksen, afirma que Jesus teria entrado no Pátio dos Gentios. E ali, algo bem definitivo chamou a atenção de Jesus naquela tarde quando entrou no Templo. Ele viu que a visão de Deus para a religião de Israel fora perdida vista.  

Para se entender melhor é preciso que se tenha um desenho mental do Templo e seu funcionamento. Este possuía algumas áreas restritas como segue: i) o Santíssimo, somente para o Sumo Sacerdote; ii) o Lugar Santo, para Sacerdotes em sua função específica; iii) o Átrio dos Sacerdotes, para o serviço de assistência aos adoradores junto ao altar; iv) um pouco mais retirado, havia o chamado Pátio de Israel, onde se achegavam os adoradores de nacionalidade judaica; v) mais além, separado por um pórtico, havia um Átrio das Mulheres, sendo que apenas ali poderiam elas entrar; e por fim, vi) na área mais distante possível do Santíssimo, havia o Pátio dos Gentios. Hendricksen descreve este Pátio como tendo um piso de mármore da melhor qualidade. Mas apesar disso, não poderiam passar daquele ponto para adiante, sem que fossem passivos de morte.  

Embora fossem vítimas de um preconceito acentuado, os gentios poderiam vir ao Templo pelo menos para colher migalhas espirituais. E embora não participassem da adoração de modo direto, poderiam pelo menos aprender a temer o Nome de Deus pelo exemplo dos adoradores, e serem conduzidos ao pacto sagrado.  

Mas naquela tarde, o pátio estava tomado de animais e grito de comerciantes. Em seu único local de acesso ao culto, os gentios eram confundidos com o sentido da adoração por conta do comércio profano. Na melhor das hipóteses, o que certamente causou decepção em Jesus era perceber que a religião do Templo se tornara uma religião que não levava em conta a necessidade do perdido, tornando-se uma religião exclusivista. Por isso, Jesus expulsou os vendilhões.  

3. Em terceiro lugar, podemos supor que Jesus agiu daquele modo porque o que era praticado como religião em nome de Deus Ele viu como um prejuízo ao nome de Deus.

Jesus acusou aos comerciantes de salteadores. Essa palavra dá entendimento de roubo, pilhagem. Em que sentido estes homens do Templo eram ladrões?  

Eram ladrões porque, em primeiro lugar, roubavam ao homem. Os adoradores vinham de longe para sacrificar. Assim era para eles quase um conforto a idéia de comprar um animal no Templo. Mas ao comprar animais teriam de usar a moeda do Templo. Assim, era preciso que eles fossem ao cambista e trocassem o dinheiro por uma moeda do Templo; e os cambistas, ao efetuarem a troca, cobravam certo percentual para os cofres dos espertos Anás e Caifás. Além disso, ao adquirir o animal para o sacrifício, os peregrinos em geral pagavam um preço que às vezes, nem sempre era correspondente ao valor.  

E eles eram ladrões porque, em segundo lugar, como afirma Morris Vendem, em seu livro Como Jesus tratava as pessoas, eles roubavam a glória de Deus. Era fácil se impor a idéia de que apenas mediante a qualidade e preço do animal podia se esperar mais favores de Deus. Ao passo que aqueles que compravam animais caros tinham o conforto de uma alma perdoada, os pobres que somente podiam adquirir pombos (este era o sacrifício do pobre) se sentiriam desfavorecidos por Deus. Jesus se revoltou contra essa prática. Por isso se armou do chicote e expulsou a todos.  

De um modo triste, podemos ver que aquelas mesmas práticas religiosas de Jerusalém ainda prevalecem hoje. Podemos dizer que ainda prevalecem quando vemos uma religiosidade focada apenas na busca de interesses pessoais sem que se atente para aquilo que Deus de modo claro especificou em Sua Palavra. A exclusividade religiosa ainda existe nos dias de hoje. Podemos dizer que ainda prevalecem quando vemos a livre comercialização dos bens da graça, em todas as suas formas, seja através das posturas legalistas daqueles que se arrogam no direito de agir em nome de Deus e buscam criar uma religião à sua própria imagem e semelhança quanto na postura licenciosa daqueles que banalizam o culto e a sacracidade dos ritos bem como dos serviços na Casa de Deus. Podemos dizer que ainda prevalecem quando percebemos uma religiosidade com finalidade única apenas promover ajuntamentos tendo por meta acúmulo de bens materiais, em detrimento de uma verdadeira comunhão e fidelidade a Deus. Podemos dizer que ainda prevalecem quando percebemos que nossa maneira de adorar tem qualquer outro propósito senão tornar possível ao homem o seu encontro com Deus. Deus está mais próximo de nós em Seu Templo do que pensamos.  

4. Mas algo novo salta aos olhos: em quarto lugar podemos supor que Jesus limpou o Templo especialmente porque Ele queria que a Casa de seu Pai fosse uma Casa onde todos pudessem ser bem vindos e agraciados.

Está claro que na leitura dos contrastes, Jesus expulsa uma religiosidade falsa para que se imponha uma verdadeira adoração. Notemos que logo após a expulsão dos vendilhões, Jesus agrega em torno de si a figura dos humildes que nada têm a dar para Deus e apenas podem esperar de Sua graça. Vieram os coxos, cegos doentes e sabe Deus quem mais. Mas todos foram bem-vindos. E o lugar se encheu de adoração e louvor. 


Este é o desafio que cabe a nós aceitar. Seremos nós parte daqueles que farão de nossos cultos o lugar do verdadeiro encontro entre os pecadores e Deus? Abriremos portas ou fecharemos portas em nome de Deus? Ofertaremos graça ou negaremos o favor de Deus àqueles que precisam?  

Para os demais que se fundamentam na religiosidade exclusivista, legalista, mundana e alienada dos judeus, posso dizer como o colega Willian bem afirmou: “cuidado com o chicote, Jesus vem ai e sabe a intenção guardada no coração.”

Bibliografia:

BOK, Darrell L. Jesus segundo as Escrituras. Shedd. São Paulo, 2006.
BORG, Marcus J & John Dominic Crossan. A última semana. Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 2006.
HENDRICKSEN, Willian. Marcos: comentário do Novo Testamento. Cultura Cristã. São Paulo, 2003.
MATEOS, J. & F. Camacho. Jesus e a sociedade de Seu tempo. Paulus. São Paulo, 1992.
VENDEM, Morris. Como Jesus tratava as pessoas. Casa Publicadora Brasileira. Tatuí, São Paulo, 1989. 

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publicado também por:
ew-willianlira.blogspot.com

Cite a Fonte: 
http://pastorclaudiosampaio.blogspot.com

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