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A Dúvida de Hume - Reflexões acerca da existência do Mal no mundo


 


Já no século 18, o filósofo escocês David Hume, reconhecido como "o pai do empirismo" expunha a existência do Mal como um impedimento para a crença na existência de um Deus Soberano e Criador, como exposto na Bíblia. Como um expoente de um sistema de pensamento que negava os axiomas para a obtenção do conhecimento, valorizando mais a experiência, usando as palavras de Epicuro (341 - 271 aC), ele questionou:

“Se Deus quer evitar o mal, mas não é capaz disso, então Ele é impotente. Se Ele é capaz, mas não quer evitá-lo, então Ele é malévolo. Se ele é capaz de evitá-lo e quer evitá-lo, como se explica o mal?” (HUME, David. Diálogos sobre a religião natural. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.136).

Hume é reconhecido como um grande cético. Todavia, não podemos negar a seriedade de seus questionamentos , que nunca perderam peso, e têm força mesmo depois de mais de dois séculos após sua afirmação. A verdade é que a cada dia, deparamo-nos com a dura realidade do mundo e de novo, as mesmas perguntas acerca da existência do mal, de Deus e do sofrimento humano voltam à tona. Afinal, se Deus existe, porque Ele não destrói ao Mal e ao sofrimento que imperam no mundo? Seria Deus insensível ao sofrimento humano? Porque Ele permite que o Mal ainda atinja Sua criação? Eu penso que nunca teremos uma resposta definitiva acerca da existência do Mal. Antes de me arriscar a expor uma resposta, talvez fosse necessária uma análise acerca do problema do Mal, segundo o entendimento cristão, amparado nas Escrituras Sagradas. 

Em primeiro lugar, a fé cristã declara que mal é mais que uma “força”, é uma entidade real e atuante no cosmo, opondo-se a Deus e ao que Ele representa. 


Sabe-se que nos dias do segundo século, alguns grupos cristãos, afetados pela cultura grega, conceberam aquilo que muitos teólogos definem como Gnosticismo – que, em suma, era um sincretismo do Cristianismo com algumas religiões do mundo grego. Essa livre associação de ideias influenciaram sua percepção do Mal e da Divindade em Seu trato com a Humanidade. Na concepção dos gnósticos, o mundo teria sido criado pelo Demiurgo, uma das diversas emanações da Divindade, que por essa atitude de criar a matéria imperfeita, supostamente teria experimentado uma queda espiritual. Em seu momento inaugural, o Mal, assim, seria de alguma forma, o próprio Deus. Ao Demiurgo criar o mundo material, a matéria se insurge como uma alienação do mundo espiritual, do qual os homens com sua centelha divina, a “alma”, devem se libertar. 

O Mal, desse modo, surge como uma escolha da própria Divindade. E olhando por esse prisma, Deus não poderia jamais dar fim ao Mal, uma vez que Ele seria a maldade em Sua própria essência. Pois na visão gnóstica, se Deus destruísse as diversas manifestações do Mal, Ele estaria apenas destruindo a outros males que concorressem com Ele mesmo! 

Mas pelas Escrituras, o Mal, em sua rebelião contra Deus, em primeira instância, surge de modo externo a Ele, em Sua criatura, com base na dúvida sobre a legitimidade do governo divino, uma fuga da submissão a Ele. E nessa rebelião, o governo do Mal alcançou não apenas a atmosfera terrena, mas teve proporções cósmicas, afetando homens e anjos, toda a criação. Deus realmente merece adoração? Haveria uma opção melhor fora do domínio de Deus? Seria o governo de Deus de fato a melhor opção para o Universo criado? Nesse sentido, uma possível resposta seria uma rebelião. E de fato isso ocorreu. Desde o Antigo Testamento, os oráculos de Isaías 14:12-15 e Ezequiel 28:14-17 dirigidos aos reis de Babilônia e de Tiro têm sido compreendidos como uma referência tipológica a algum ser criado ousou pretender o lugar de Deus, fomentando uma rebelião contra Seu governo. 

Em segundo lugar, a fé cristã entende que Deus não é um pactuante com o Mal. 


Uma certeza que nos chega pela Revelação das Escrituras é a de que “Deus é amor” e que Ele jamais compactuou com qualquer forma do Mal.

Eu entendo, pela revelação das Escrituras, que Deus é um Ser perfeito, e que teria criado o ser humano, os anjos e quaisquer outros seres pensantes para a liberdade. A ausência da liberdade como uma faculdade dos seres humanos seria uma evidência de imperfeição na criação. Creio também que essa liberdade era dada ao ser humano com a finalidade última de capacitá-lo escolher a Deus ou rejeitá-Lo, de experimentar a vida ou aceitar a morte. E na rejeição de Deus e da vida que Ele traz, haveria de fato a corrupção ou “vaidade” do homem e da criação, e estes fatalmente chegariam á morte. As Escrituras relatam a queda da humanidade em Gênesis 3 como um ato da livre escolha do homem. E Paulo chega a dizer que, pela queda da humanidade, toda a criação foi entregue a vaidade (Romanos 8:20). 

Deus, assim, não teria criado o Mal, mas este foi concebido pela rejeição do supremo Bem. Sobre isso, já dizia o salmista: "Pela altivez do seu rosto o ímpio não busca a Deus; todas as suas cogitações são que não há Deus." (Salmos 10: 4). A insubmissão do homem à autoridade de Deus, desde o Éden, sempre cedeu lugar ao Mal em suas diversas manifestações. As Escrituras e a própria História disso dão conta. 

Em terceiro lugar, a fé cristã afirma, mediante essa compreensão, que Deus mesmo assume a responsabilidade pela erradicação da maldade. 


Acima de tudo, será preciso que Deus seja reintegrado ao Seu verdadeiro lugar para que os poderes contrários sejam destruídos por completo. Deus, e tão somente Ele, pode trazer de verdade o supremo Bem que um dia perdemos. 

Porque Deus não teria destruído o mal logo em seu começo? Porque não o lançou ao “mais profundo abismo” (nas palavras de Isaías 14:15) em sua origem incipiente? Se pensarmos bem, se de fato Deus destruísse o mal em seu início, o mal ainda permaneceria em sua essência e Seu governo seria exercido com base no medo e na coerção. Isso também seria maldade.

 Porém, a as Escrituras afirmam que Deus prefere outro caminho, que se manifesta através da revelação do Bem em toda a Sua grandeza. Esse caminho Ele percorre através da cruz. A fé cristã entende que é na cruz que Deus revela toda a extensão do Mal e ao mesmo tempo revela todo o Seu amor que avança além da maldade humana, da vaidade do cosmo, transpondo o abismo da morte a fim de resgatar a criação. Pela cruz, Deus resgata Sua criação por meio de Seu amor, e não pela força. E tão somente pelo caminho do amor o homem encontra a redenção.

Em quarto lugar, a fé cristã afirma que além da destruição do Mal, o anseio primário de Deus é a reconciliação com Sua criação. 


O que se entende é que antes que se executasse a destruição do Mal, Deus pretendeu que todos, tanto aos que estavam nos céus quanto os que estavam na Terra estivessem reconciliados com Ele. Assim, por meio da cruz, Ele espera que todos entendam que o Mal é destrutivo e que apenas o bem supremo (Deus) é o verdadeiro caminho da vida e da verdadeira realização. 

Na cruz de Cristo, Deus revela Sua verdadeira face amorosa, e nos cativa a todos com Seu amor e não pela coerção; mas também ali Ele permite que o Mal revele sua verdadeira face, na rejeição e morte de Seu Filho; na cruz se revela até onde o ser criado chega em seu aviltamento, a ponto de condenar o próprio Deus na pessoa de Seu Filho, à morte que ao homem pertence por direito e natureza. 

Em essência, é na cruz que Deus experimenta toda a força do Mal e assume o lugar do homem caído. Mas é na cruz que Deus também se revela para todo o cosmo e destrona o Mal, conquistando Sua criação de volta para Ele. 
"E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo TODAS AS COISAS, tanto as que estão na TERRA, como as que estão nos CÉUS (Colossenses 1 : 20 - grifo nosso)". 

Ao se revelar verdadeiramente na cruz, Deus demonstra a razão pela qual merece toda adoração tanto no Céu quanto na Terra: Ele é Soberano pela grandeza de Seu caráter amoroso e abnegado, que se doa em favor da Sua criação.

Mas ainda assim, como entende Morris vendem, Deus ainda espera. Espera que o ser humano e toda criação compreenda até as últimas consequências que o mal tem seu preço e que apenas debaixo de Seu governo amoroso a criação terá a de fato à plena liberdade. Espera que o Mal faça a sua obra e permite que até mesmo os cristãos sofram, para que se entenda por experiência própria que o Mal, pelos seus efeitos, não vale a pena. De modo que em um tempo de maturidade espiritual do cosmo, quando Deus destruir definitivamente o Mal, todos terão compreendido de fato que a proposta da maldade não é o melhor caminho para a existência. Todos ssaberemos exercer a nossa liberdade para o Bem e não para o Mal. E então a verdadeira alegria e contentamento encherá a toda a criação. E então, não pela imposição de Deus, mas pela livre escolha do homem, nunca mais o Mal se levantará. 

Para concluir, a fé cristã afirma que a destruição do Mal ocorrerá por meio da sujeição do cosmo ao domínio de Cristo. 


Anseio o dia em que o Mal então terá seu fim e o dia em que Deus, por meio de Cristo sujeitar a todos os poderes contrários e então devolver o mundo de volta a Seu pai, como disse Paulo aos Coríntios 15:24-28: 
"Depois virá o fim, quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte. Porque todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés. Mas, quando diz que todas as coisas lhe estão sujeitas, claro está que se excetua aquele que lhe sujeitou todas as coisas. E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos.” 

À luz disso, o que creio é que mesmo no mundo ainda imerso na maldade, podemos renunciar ao Mal em todas as suas formas e optar pelo caminho do Bem, e buscar o refugio em Deus, vivendo em submissão a Ele, sob Seu governo amoroso. 

Contrariando Hume, penso que a coexistência do Mal não se torna assim, um obstáculo a nossa fé no Supremo Bem. Podemos ser reconciliados com Deus mediante a fé em Sua bondade e graça, através de Seu Filho, Jesus Cristo. Podemos ainda optar pelo caminho da vida. E é Ele mesmo quem ainda nos deixa livres para escolher:   

"Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência." (Deuteronômio 30 : 19)".

Sim, de fato, podemos escolher o Bem e viver, se quisermos. E todo aquele que acolhe a Cristo em seu coração sempre terá a Deus como o supremo Bem que seu coração deseja. [Claudio Soares Sampaio]

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