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Apontamentos Sobre uma Teologia de Esperança


1. De alguma maneira, mesmo face ao pragmatismo e ao materialismo marcante dos dias atuais, e às críticas e análises promovidas pelos céticos e pelos filósofos da razão, a religiosidade tem ganhado cada vez mais força e presença no seio da Humanidade que se encontra aberta ao que podemos definir como “algo mais".  Desde as concepções de Taylor (1832-1917), que sob a influência de Darwin, via a religiosidade como fruto de um processo evolutivo, passando por Rudolfo Otto (1917), com sua ideia do misterium tremendum et fascinans, ou ainda por Mircea Eliade, com sua visão mística do hierofani, até aos conceitos do ateísmo moderno, de Richard Dawkins, para quem a religião seria como um vírus de computador que se teria transmitido de um cérebro para o outro, tem-se visto que a sociedade se encontra ainda aberta à religiosidade.

2. Essa visão de abertura ao "algo mais" se adequa à visão de Rampazzo, que ao definir o termo "religião", apresenta que uma das explicações da origem etimológica do termo vem de “religar” e “indica a vinculação do homem com sua origem e seu destino” (RAMPAZZO, 2000, p. 52). De algum modo, o ser humano quer esperar algo mais de si mesmo e da existência, e encontra na religiosidade uma resposta à essa busca. De modo especial, destaca-se aqui a fé cristã, que de acordo com Gaarder, permanece firme e se torna, de fato, “a filosofia de vida que mais caracteriza a sociedade ocidental” (GAARDER, 2002, p. 137).

3. Apesar de sustentar essa visão da popularidade da fé cristã, Gaarder afirma surgir na atualidade um desapertamento de uma nova espiritualidade, que anuncia uma junção de todos os seguimentos religiosos, com ênfase num espiritualismo místico. Segundo o mesmo autor, o discurso dessa nova espiritualidade tem sua base em parte nas “novas campanhas missionárias das religiões antigas como Hinduísmo e Budismo” (GAARDER, 2002, p. 254). Ao lado deste, Gaader denúncia também as forças da descristianização, marcadas pelo discurso materialista. No entender do educador Cristão Rubem Alves, o  materialismo cético desses dias, originado de Marx, se baseia na promessa de uma redenção do corpo, e se envolve numa luta contra o mundo e seu sistema, e busca “transformar o mundo inteiro numa extensão do próprio corpo” (ALVES, 1995, p. 34). 


4. Desde o Concílio Vaticano II até as conferências realizadas na América Latina, especialmente as de Puebla (1979) e de Aparecida (2007), tem-se destacado dentro do Catolicismo Romano um apelo a uma ação evangelizadora que, sem negar o valor da fé não-cristã, promovesse um diálogo com as culturas, buscando nesse diálogo os “germes do Verbo” (Documento de Puebla, 401). Esse também foi o apelo de Bento XVI, em seu discurso inaugural da Conferência de Aparecida. Entendendo que nas culturas autóctones se pode encontrar um “germe” do Evangelho, afirma-se que mesmo antes do encontro com o anúncio do evangelho, as gentes já esperavam por ele, dentro da formulação de crenças que correspondiam ao seu conteúdo.

5. Perguntando-me sobre a possibilidade de um discurso que responda ao anelo comum e que anuncie a fé cristã em sua especificidade veio a minha cabeça a proposta de José Comblin (1968), com sua resposta cristã ao dilema humano, firmada no discurso da esperança. Para Comblin, a esperança não é uma linguagem particularmente bíblica, mas um discurso comum a todos os povos, crenças, culturas e ideologias no decorrer da história. Por isso, ela se torna em “primeiro motor da história”.

Mas segundo Comblin, essa esperança não nasce do vazio. O fato de que ela se manifeste em suas diversas modalidades é pelo fato de a ela se antecede uma promessa. Para ele,

“concretamente, a história anda sob o sinal de uma promessa; a promessa de um fim, de um têrmo que é ao mesmo tempo uma salvação” (COMBLIN, 1968, p. 187). 

A “promessa”, assim, no entender de Comblin, é um fato presente não apenas uma posse de um determinado seguimento religioso, mas um patrimônio universal de todos os povos e de todas as crenças. Por isso se diz que a História é um caminhar em esperança. Em suas palavras,

“a história inclui a esperança em virtude da consciência de uma promessa: a esperança e a promessa referem-se a uma salvação” (COMBLIN, 1968, p. 189). 

Bem claramente Comblin entendeu que a promessa de redenção humana se encontra presente em todos os tempos e na linguagem de todos os povos. Diante disso, não seria rejeitável a afirmação de que as diversas ideologias e seguimentos religiosos surgem apenas em resposta à esperança de uma redenção, nascida no âmago do coração humano. Surgiram sob o sinal de uma promessa de um descanso do ser, pois toda a história é a caminhada do homem em busca de seu destino, de sua verdade, que se traduz em esperança de redenção.

Obviamente outros formularam o discurso da esperança, além de Comblin. O que torna o seu discurso um tanto quanto original é a sua perspectiva histórica centrada na pessoa de Jesus, pois para ele, apenas através da fé fundamentada na pessoa de Cristo há uma verdadeira esperança de redenção. Para Comblin, sem a presença de Jesus, a história humana não teria o seu sentido.

6. Esse tema também foi utilizado pelo Papa Bento XVI, em sua encíclica papal, Spe Salvi, publicada 30 de novembro de 2007, na qual se propõe com forte ênfase, a superioridade da esperança cristã sobre as ideologias messiânicas focalizadas no humanismo e no materialismo surgidas ao longo do tempo. De fato, Bento XVI não hesita em reafirmar a superioridade da fé cristã também dentro de uma perspectiva religiosa, pois para ele,

“chegar a conhecer Deus, o verdadeiro Deus: isto significa receber esperança” sendo que para ele, “nós, que desde sempre convivemos com o conceito cristão de Deus e a ele nos habituamos a posse duma tal esperança que provém do encontro real com este Deus quase nos passa despercebida.” (Spe Salvi, 2007, 1:2). 

Apesar de que em toda a sua exposição o Papa se recuse a demorar-se na tarefa de expor em que termos a esperança cristã se apresenta como superior em sua especificidade frente às demais religiões,  deixa todavia, entrever um ar de convicção de que a fé cristã é possuidora de uma esperança insuperável dentro da religiosidade hodierna.


Em sua Carta, o Papa argumenta que a História flui em busca de uma finalidade, de seu termo que em última instância, envolve o destino humano. O discurso da esperança afeta o discurso religioso cristão, pois é por meio dele que se anuncia uma esperança de redenção. Assim, pode-se dizer que é a força da esperança que orienta a fé do homem em busca de seu destino. Aliás, essa foi uma das argumentações presentes desde “Deus Existe?”, livro que apresenta o debate entre Bento XVI e o filósofo ateu Paolo F. d’Arcais acerca da existência de Deus.

7. Essa ênfase na esperança como moto da evangelização tem sido ainda seguido pelo atual Papa Francisco. Recentemente, lançou pela Editora Paulus o pequeno livreto "Não Deixeis que vos Roubem a Esperança", no qual apela especialmente a juventude para o desenvolvimento de suas vocações. 

8. Talvez o maior influenciador desse discurso da esperança no meio cristão tenha sido o teólogo Jürgen Moltmann, com sua obra Teologia da Esperança, nos anos 60. Escrita em um tempo em que o mundo passava por certas convulsões sociais, inclusive nos EUA, através da luta contra a segregação racial por meio de Martin Luther King, a proposta de Moltmann trazia o conceito revolucionário de uma esperança como motor de evangelização. Os seguidores de Jesus, por conta de sua esperança nEle não devem apenas viver a expectativa de um futuro, mas serem construtores desse futuro no presente. A escatologia cristã não apenas anuncia, mas incita-nos viver o futuro e construí-lo através de ações de esperança. Essa perspectiva de Moltmann daria à luz o que se tem conhecido como uma Teologia da Libertação, que buscaria unir um discurso de fé a uma ação efetiva imediata contra as forças da opressão históricas, na e construção de um futuro com base nos ideais do Reino de Cristo.

9. No meio adventista, o discurso da esperança tem se tornado uma das principais ênfases da igreja. Especialmente depois de Jan Paulsen, que antecedeu a Ted Wilson na liderança da denominação, as campanhas evangelísticas tem se caracterizado pelo tema da esperança. O próprio Paulsen teria admitido a influência da Teologia da Esperança de Jürgen Moltmann em sua perspectiva eclesiológica. Com a liderança da igreja através de Erton Köller, o evangelismo integrado tem se concentrado a cada ano no chamado Impacto Esperança, quando todas as forças se unem para anunciar a esperança cristã na volta de Jesus a este mundo. Ao mesmo tempo a igreja não se mostra alienada do mundo, mas se envolve nas questões sociais e ajudam na construção de um mundo mais justo através de projetos solidários, como Quebrando o Silêncio, Mutirão de Natal e Mais Vida. Esses projetos ajudam os cristãos adventistas a focarem sua vida no serviço e na transformação do ser humano com foco nos ideais do Reino de Deus.

 

Conclusão / Avaliação


A mentalidade moderna tem se dividido entre o foco na espiritualidade mística e o materialismo cético. O desejo de vida plena abarca a todos, todavia. Para uns, a vida só poderia ser plena na vida espiritualizada, num rompimento com o corpo e o mundo material. Para outros, se a vida não envolve o material, não promove a plenitude, pois espera também a redenção de seu mundo e sua história. A antropologia bíblica com base na Criação, Redenção e Nova Criação estabelecem a resposta definitiva para todos os seguimentos. Isso porque para um mundo corrompido em sua totalidade, a promessa de Deus, com base na Bíblia oferece uma redenção plena e integral.

Se isso de fato é verdade (como de fato é), a redenção bíblica como anunciada pelos adventistas, com sua ênfase no sábado e no Criacionismo bíblico, na mortalidade da alma e na fé na Vinda de Jesus, com a promessa de um Novo Céu e uma Nova Terra possui o discurso adequado para esse tempo. E penso que essas deveriam ser as bases de nosso discurso na evangelização. (Claudio Soares Sampaio).

 

Bibliografia Utilizada


ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar (2a. ed.). São Paulo: Ars Poética/Speculum, 1995.

BENTO XVI - Joseph Ratzinger. Spe salvi. São paulo: Paulinas, 2007.

______  & Paolo D'Flores. Deus existe? São Paulo: Planeta, 2007.

COMBLIN, J. Os sinais dos tempos e a evangelização: estudos em teologia pastoral I. São Paulo, SP: Duas Cidades, 1968.

COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. Teologia da redenção. (1a. ed.) São Paulo: Loyola, 1996.

CRAWFORD, R. O que é religião? (1a. ed.). (G. A. Titton, Trad.) Petrópoles, RJ: Vozes. 2005.

CONCLUSÕES DA CONFERÊNCIA DE PUEBLA, texto oficial: Evangelização no presente e no futuro da América Latina (8a. ed.). São paulo, SP: Paulinas, 1987.

CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II: Constituiçoes, decretos, declarações, documentos e discursos pontifícios (1a. ed.). São Paulo: Paulinas, 1967.

DOCUMENTO DE APARECIDA: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. (5a. ed.). Brasília/São Paulo, DF/SP: CNBB/Paulus/Paulinas, 2008.

ELIADE, M. História das crenças e das idéias religiosas tomo II: de Gautama Buda ao triunfo do Cristianismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

______ . Imagens e símbolos: ensaios sobre o simbolismo mágico-religioso (2a. ed.). (S. C. Tamer, Trad.) São Paulo, SP: Martins Fontes, 1996.

GAARDER, J. V. O livro das religioes (1a. ed.). (I. M. Lando., Trad.) São Paulo: Schwarcz, 2002.

KÜNG, H. Religiões do mundo (1a. ed.). (C. A. Pereira, Trad.) Campinas, SP: Verus, 2004.

VELOSO, M. O homem, pessoa vivente (1a. ed.). Brasilia, DF: Alhambra, 198?.

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