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Ungidos Pelo Espírito - Resenha Crítica

Pude ler nessas férias a obra "Ungidos Pelo Espírito", Loyola, 4a. edição, 2002, do biblista Raniero Cantalamessa. Foi traduzida  do original Ungidos por el Espiritu - para llevar la buena nueva a los pobres por Maria Stela Gonçalves e Adail Ubirajara Sobral. Teve sua primeira edição publicada em 1986, ano do evento que deu origem ao seu conteúdo, um retiro espiritual para 1500 sacerdotes e 70 bispos católicos, na cidade do México, no qual o autor foi preletor.

Raniero Cantalamessa é Frade Capuchincho, licencido em Teologia e Letras Clássicas. Foi docente da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão, onde lecionou História das Origens Cristãs e dirigiu o Departamento de Ciências Religiosas até 1980, e membro da Comissão Teológica Internacional até 1981. Após participar de um evento carismático em Kansas, EUA, em 1977, teria recebido um chamado interior para se dedicar apenas à pregação itinerante, o que tem feito desde 1980.

A obra possui 152 páginas, divididas em 9 capítulos. Seu estilo é aberto, de leitura agradável e linguagem fácil. Mas nem por isso se trata de um livro raso. A verve do docente é perceptível, pelo amplo domínio dos temas, sempre elucidado por um gama de citações de documentos da igreja e da patrística. Cada aspecto das homilias são como artigos teológicos carregados de beleza e profundidade.

O objetivo da obra, ao que parece, é impressionar os ministros católicos da América Latina a se comprometerem com o chamado ao batismo do Espírito segundo a linha carismática. Em sua argumentação, o autor estabelece a pessoa de Jesus e Sua experiência com o Espírito, passando, a partir daí, a tratar o tema de forma cristológica, submetendo toda a sua perspectiva eclesiológica e pneumatológica à sua visão da caminhada de Jesus com Seus primeiros discípulos.

Apesar de sua ligação com o catolicismo, a obra não dever ser vista como sendo útil apenas para o clero católico. Por outro lado, leitores de seguimento protestante teriam certa dificuldade em lidar com certos conceitos elaborados na obra, se não possuírem um mínimo de conhecimento teológico. Mas posso afirmar que o conteúdo de forma geral enriquecerá a qualquer leitor de conhecimento teológico mediano que desenvolve um chamado para a liderança de igrejas, seja católico ou protestante.

No capítulo 1, o autor avalia a experiência do batismo de Jesus e seu significado para a cristandade de forma geral. Nesse capítulo inical Cantalamessa desafia os leitores a compreenderem o mistério do batismo de Jesus, que já era cheio do Espírito desde o ventre de Sua mãe, mas que foi ungido pelo Pai por ocasião do batismo a fim de uma obra especial de libertação. A partir daí, se inicia um padrão que segue toda a obra, que é distinguir as semelhanças e dessemelhanças da experiência de Jesus e de seus seguidores, que são chamados a buscar o batismo do Espírito prometido.

Em seguida, no capítulo 2, o autor passa a tratar das tentações de Jesus e como se deu Sua vitória sobre o pecado. Faz um vínculo da tentação no deserto com a  perseguição da igreja no deserto, em Ap 12, afirmando que a mesma perspectiva segue no decorrer dos anos, ou seja: Jesus continua sendo afligido e provado no deserto em todos os tempos, na pessoa de seus seguidores, que apesar de provados pelo Diabo, têm, porém a garantia de vitória. Demonstra o perigo da nova perspectiva do secularismo, na negação do Diabo, nos dias atuais, e afirma que há uma necessidade daquilo definido pelas Escrituras como discernimento dos espíritos.

Após essa argumentação, no capítulo 3, Cantalamessa trata da questão do pecado. Segundo a sugestão do autor, Jesus era sem pecado, mas teve de lutar contra as insinuações do pecado e vencê-las em sua carne a fim de ser pleno do Espírito e efetuar Sua obra. Apesar do crente ser um pecador por natureza, deve também efetuar sua luta pessoal, confrontando o pecado, arrependendo-se, convertendo-se e rompendo de forma definitiva com ele, a fim de ser cheio do Espírito.

No capítulo 4, trata do anúncio de Jesus depois de Sua unção, e afirma o conteúdo de Sua pregação como sendo o verdadeiro Evangelho que Paulo anunciou e que a igreja atual deve anunciar. A partir daí, trata do tema da graça e da necessidade de uma pregação bíblica seguindo o modelo de Jesus e até mesmo dos evangélicos protestantes atuais, que é um chamado a uma entrega pessoal a Jesus, reconhecendo-O como Senhor e Salvador. Apenas essa pregação realmente transformará a vida dos ouvintes, segundo o autor.

Buscando estabelecer de forma mais clara o sentido da pregação que proclama Jesus como Senhor, no capítulo 5 o autor relembra a experiência catártica de Paulo em sua renúncia em favor de Cristo. E a partir daí, exemplifica com sua própria experiência a diferença que há entre conhecer o Jesus dos dogmas e da Teologia apenas como Objeto de estudo, e o verdadeiro Jesus, a Pessoa viva e presente que chama a todos para o seguimento. Segundo o autor, somente quem possui essa experiência pessoal de tê-Lo como Senhor pode anunciá-Lo como verdadeiro Senhor e será rico e poderoso em sua pregação.

A seguir, no capítulo 6, Cantalamessa trata do espírito de oração que Jesus possuía, afirmando que toda a unção e poder advinha dessa experiência com o Pai. Desse modo, o ministro da igreja deveria ser um homem de oração, pois assim era Cristo e assim eram seus apóstolos. Não apenas isso, mas afirma que as igrejas deveriam ser casas de oração e os membros deveriam ser incentivados a estabelecer grupos de comunhão, dando primazia à oração de interseção.

Talvez um dos mais profundos temas do livro esteja no capítulo 7, quando o autor busca estabelecer o sentido espiritual e pessoal da Eucaristia para os que oficiam o rito e os que dele participam. Na ocasião da entrega do pão e do vinho, na concepção do autor, Jesus se ofertava a Si mesmo e derramava Sua vida pela igreja. Assim hoje, quando um ministro oficia o rito da Ceia e oferece o pão e o vinho, como parte do próprio corpo de Cristo, ele também deve se oferecer pelo rebanho e dar sua vida por ele, como fez o próprio Cristo. Apenas quando o líder cristão alcança essa experiência, pode-se dizer que, de fato, participou do mistério que envolve a Eucaristia.

No capítulo seguinte (8) o autor parece dar prosseguimento ao tema do capítulo anterior. Avaliando textos da carta de Paulo aos Efésios, ele busca estabelecer uma comparação dos textos com um "epitalâmio real", o canto nupcial de um rei para sua esposa.  Trata de forma bem elaborada a natureza do que se consiste a igreja, o amor de Jesus por ela e o exemplo deixado para aqueles que são seus seguidores. Trabalha a questão da unidade e da diversidade e convoca a viver o amor de Jesus no ministério, amando e se dando em favor da noiva de Cristo.

No capítulo final, o autor trabalha sua experiência pessoal e demonstra como ele entende o batismo do Espírito. Relata a dificuldade pessoal que sempre teve com o carismatismo e sua forma racional com a qual sempre tratou esse ramo de espiritualidade, até sua conversão a essa modalidade por ocasião de uma reunião ecumênica da Renovação Carismática no Kansas (EUA), em 1977. SEgundo o autor, foi ali que percebeu de forma clara o papel ecumênico do carismatismo, unindo evangélicos e católicos em oração e lágrimas em favor da unidade. E foi a partir daí que ele mesmo teria sentido o chamado especial a deixar a docência e se tornar um pregador itinerante como São Francisco de Assis. Esse chamado teria sido confirmado pelo próprio Papa que o teria chamado para essa tarefa três meses depois de sua decisão pessoal e secreta. O autor finaliza convocando todos que vivem o ministério junto às igrejas a buscarem uma experiência com o Espírito, em sua tarefa de liderar a igreja e anunciar o Evangelho.

Avaliando a obra, há alguns pontos dignos de elogio. Reafirmo a linguagem fácil e o amplo domino dos temas. Cada capítulo do livro é uma pequena aula de Teologia. Um dos pontos altos da obra é quando ao tratar do propósito da unção de Deus em Cristo como sendo o de promover a liberdade, estabelece de forma sábia e coerente o contraste entre a libertação sociológica anunciado pela corrente teológica da América Latina, denominada 'Teologia da Libertação" e aquela anunciada pelo próprio Cristo e Sua igreja primitiva, a libertação espiritual. Outro ponto é a forma cristológica do autor lidar com o tema, estabelecendo Jesus como o centro da experiência, na temática do Espírito santo.

Por outro lado, o autor falha drasticamente ao renunciar um privilégio que seria possível e que ele até certo ponto, quase chega a alcançar. Refiro-me ao papel da Bíblia nos textos de suas homilias.  O método de abordagem parece seguir o da "Prima Scriptura", mas recua ante o "Sola Scriptura". Em todo o tempo, há uma tentativa clara de que não seja a Bíblia quem dê a última palavra ou a posição definitiva acerca de cada ponto de suas considerações, mas recorre em todo o tempo à tradição da igreja. De forma exemplar, cito a ampla exposição em favor do batismo infantil e da autoridade da igreja e seu papel em relação à salvação dos crentes. Grosso modo, o autor segue de forma moderada uma perspectiva "triunfalista".

Apesar de tudo, concluo afirmando que "Ungidos Pelo Espírito", de Raniero Cantalamessa, é uma obra singular dentro do horizonte teológico que trata da pessoa e obra do Espírito, por possibilitar uma leitura mais cristocêntrica acerca desse tema.

Recomendo leitura.

Referência:

CANTALAMESSA, Raniero. Ungidos Pelo Espírito.
Loyola 4a. edição.
São Paulo, 2002.
152 páginas.



http://pastorclaudiosampaio.blogspot.com

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