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A Política e a Missão da Igreja: Revendo a Teologia da Libertação


O cenário político brasileiro tem sido sacudido de forma surpreendente, nos últimos dias. Os recentes acontecimentos envolvendo as manifestações de rua e a intensificação dos esforços da imprensa em prol do impeachment da Presidência são apenas ecos de uma crise estatal e do inconformismo popular diante da política econômica do Governo, notado desde de 2013. Na ocasião, um pequeno protesto em torno do aumento das passagens de ônibus em São Paulo desencadeou em poucos dias uma mobilização em massa que atingiu todo o país, sendo alvo até mesmo da imprensa internacional. Essa movimentação foi superada apenas pelos recentes acontecimentos quando cerca de 6 milhões de brasileiros foram às ruas, em apoio ao Juiz Moro, na condução da Operação Lava-Jato.

Na verdade, o movimento das ruas no Brasil não foi um fato isolado, mas parte de um fenômeno perceptível em diversos países nos quais o povo se organizou e saiu às ruas, confrontando os poderes totalitários, ou em em busca de liberdade e direitos negados. De modo perceptível, houve o despertamento da consciência coletiva e a percepção de que pela força revolucionária do povo, há a possibilidade de uma renovação das estruturas do poder em favor da comunidade. Era possível ver não apenas sinais de revolta, mas também de esperança, nos cartazes e depoimentos dos manifestantes. Para muitos, o momento tão esperado das mudanças havia chegado e não mais poderia ser adiado.

Fato comprovado é que o movimento das ruas afetou também o discurso das igrejas. Por ocasião dos protestos de 2013, os cristãos mais exaltados chegaram a conclamar os fiéis às ruas, para dar apoio ao movimento de protestos. Outros, mais comedidos, chamavam a comunidade para a um clamor em favor da nação, entendendo que apenas o poder da oração era a resposta para o momento de crise. E curiosamente, diante do quadro global das manifestações, surgiu um interesse renovado pela Teologia da Libertação (TL). Houve até mesmo um pedido exposto na mídia, que frente à realidade prevalecente, o atual Papa se manifestasse em favor da reabilitação da TL, que até o momento é considerada uma Teologia marginal nos círculos teológicos contemporâneos.

Diante do quadro, fui levado a refletir um pouco acerca desse movimento teológico que teve seu momento histórico nos anos 70. E nessa reflexão, gostaria de manifestar a razão de meu ceticismo que é o mesmo de tantos outros, diante dessa esperança do povo em uma revolução social com base nas ações políticas, sejam comunitárias ou institucionais. A questão básica é: Teria o engajamento político dos crentes de fato um discurso adequado que responda às questões sociais que afetam a política brasileira na atualidade?

Revendo a História


A TL, como movimento, surge na segunda metade do século 20, no momento em que diversos acontecimentos políticos influenciaram grandemente a reflexão teológica, especialmente na América Latina. No Brasil, por exemplo, com a impostura do militarismo em 1964, houve desde então um totalitarismo por parte do Estado, levando a um inconformismo da população e uma reivindicação de seus direitos de expressão, o que viria a impactar  o discurso de alguns seguimentos cristãos de forma definitiva, como no caso do Catolicismo Romano.

Bem antes disso, por volta da década de 1930, algumas vozes já se haviam levantado em favor das classes ditas oprimidas, dentro do cenário protestante e católico, tais como James Cone (protestante) frente a segregação racial nos EUA, ou em favor do feminismo, por parte da teóloga Rosemary Ruether (católica ). Sob a influência desses discursos e de teólogos como Jürgen Moltmann, a reflexão teológica de alguns teólogos latino-americanos acerca de como agir em seu momento histórico, deu luz à chamada Teologia da Libertação, que propunha um discurso em favor dos oprimidos. Esse ramo Teológico teve como precursores teólogos como Richard Schaull (norte-americano), Joseph Comblin (belga) e Rubem Alves (brasileiro), sendo posteriormente desenvolvida por Gustavo Gutierrez (peruano), Hugo Assmann (brasileiro) e Leonardo Boff (brasileiro). A ideia propagada era que diante do quadro de opressão prevalecente, falar apenas de uma salvação futura e escatológica não estaria de acordo com a realidade histórica da igreja. Na busca de uma contextualização de sua mensagem, seria preciso que uma resposta fosse dada à necessidade imediata dos povos, com o propósito de que a religião cristã não caísse na fatalidade apontada por Marx, tornando-se um instrumento de alienação do mundo, ou seja, um "ópio dos povos".

Como Gutiérrez deixou claro em seu clássico “Teologia da Libertação”, na visão libertadora, a salvação se consistia na derrota das forças que promoviam a pobreza na América Latina, bem como no estabelecimento de democracias econômicas de natureza socialista ou mesmo comunista. Embora rejeitassem o ateísmo e o materialismo filosófico de Karl Marx, a estrutura de seu pensamento era fortemente influenciada por ele. Era comum denunciar o dinheiro como a fonte de toda maldade, apontando o caminho de Jesus como o da caridade em favor dos pobres. Em lugar de apontar apenas a vida futura como o lugar da libertação prometida por Deus, esse ramo teológico buscava uma mobilização contra as forças da opressão históricas, a fim de que a igualdade idealizada na mensagem de Cristo se tornasse a libertação definitiva alcançada pela ação da igreja em favor dos oprimidos. Durante os assim chamados “anos de chumbo” (1968-1979), houve diversos choques entre os proponentes da TL e o governo instituído. Teólogos como Frei Beto e Rubem Alves foram perseguidos e exilados.

Razão do Fracasso 


Todavia, o que se nota, é que ao condenar o materialismo, o caminho proposto pelos teólogos da libertação facilmente descambava para o mesmo mal que condenavam, ao destacar de forma exagerada a centralidade no Homem e na imanência divina, relegando ao segundo plano a centralidade em Cristo e a salvação escatológica com foco na transcendência. A ênfase no pecado como um mal social e a salvação como uma ação humanista contrariavam a ortodoxia da igreja. No pensamento dos expoentes da TL, a ortodoxia (discurso da fé) deveria dar lugar a uma ortopraxia (ação da fé). Talvez por isso, recebeu diversas críticas por parte de outros teólogos que viam essa proposta como um desvio da verdadeira proposta bíblica, de modo que após a falência das políticas opressoras latino-americanas, veio também como consequência, a decadência da TL como influenciadora do discurso cristão.

Dentro do Catolicismo, a elevação de Joseph Ratzinger (Bento XVI) ao bispado de Roma trouxe decepção aos proponentes da Teologia da Libertação, como Leonardo Boff. Em seu tempo de cátedra, Ratzinger nunca foi favorável ao discurso da TL, e agora como Papa, em diversos discursos não pouparia críticas ao seguimento teológico. Porém, foi em sua encíclica Spe Salvi, em 2007, que na opinião de muitos, o Papa teria dado o chamado “golpe de misericórdia”, ao condenar severamente as propostas marxistas no discurso da igreja. Discursando acerca do fracasso das ideologias e revoluções oriundas do marxismo, Bento XVI declarou que nenhuma reforma política poderia  realizar a utopia dos povos, mas apenas uma força que redimisse o homem de dentro para fora poderia de fato desenvolver sua redenção. Após refletir acerca das críticas de Marx e sua influência nas revoluções históricas, como a desenvolvida na Rússia, sob a influência de Lênin, Bento XVI afirmou:

“Com a sua vitória, porém, tornou-se evidente também o erro fundamental de Marx. Ele indicou com exatidão o modo como realizar o derrubamento. Mas, não nos disse, como as coisas deveriam proceder depois. Ele supunha simplesmente que, com a expropriação da classe dominante, a queda do poder político e a socialização dos meios de produção, ter-se-ia realizado a Nova Jerusalém. Com efeito, então ficariam anuladas todas as contradições; o homem e o mundo haveriam finalmente de ver claro em si próprios. Então tudo poderia proceder espontaneamente pelo reto caminho, porque tudo pertenceria a todos e todos haviam de querer o melhor um para o outro. Assim, depois de cumprida a revolução, Lênin deu-se conta de que, nos escritos do mestre, não se achava qualquer indicação sobre o modo como proceder. É verdade que ele tinha falado da fase intermédia da ditadura do proletariado como de uma necessidade que, porém, num segundo momento ela mesma se demonstraria caduca. Esta « fase intermédia » conhecemo-la muito bem e sabemos também como depois evoluiu, não dando à luz o mundo sadio, mas deixando atrás de si uma destruição desoladora. Marx não falhou só ao deixar de idealizar os ordenamentos necessários para o mundo novo; com efeito, já não deveria haver mais necessidade deles. O fato de não dizer nada sobre isso é lógica consequência da sua perspectiva. O seu erro situa-se numa profundidade maior. Ele esqueceu que o homem permanece sempre homem. Esqueceu o homem e a sua liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. O seu verdadeiro erro é o materialismo: de fato, o homem não é só o produto de condições econômicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições econômicas favoráveis”. – Bento XVI, Spe Salvi, §21. 

Essa fala de Bento XVI deixa claro o porquê das desilusões da Teologia conservadora em relação não somente em relação à TL, como também em relação às esperanças acalentadas em torno do movimento político das ruas, ou mesmo da política institucionalizada, como elemento de transformação com ênfase na igualdade social. Nenhuma ação que não opere no interior do Homem poderá resolver de fato, o problema das gentes. O Homem, cativo da maldade presente no cosmo, antes de ser redimido das estruturas de dominação, carece de ser redimido de si mesmo, de seu egoísmo. E isso só poderá ser realizado na força da ação de Deus.  Ignorando isso, o único resultado de todas as mobilizações humanas será apenas uma mudança de figuras no cenário político, mas na esfera humana, nessa esfera material, o homem será sempre vítima de sua maldade, o que perpetuará de forma indefinida a ordem deste mundo, marcada pela corrupção e pela decadência, até que venha a de modo definitivo, intervenção de Deus anunciada por Jesus e pelos profetas.

A Missão da Igreja e a Obra Social


Talvez pensando na essência da mensagem da TL, mais recentemente alguns teólogos  propuseram uma ênfase na chamada Obra Social da igreja, que busca uma ênfase global no tratamento da Missão. Nessa proposta, o se anunciar o Reino, a igreja deve ser mais atenta às carências sociais da comunidade, no tempo presente, relevando a um segundo plano, a proclamação futura do Reino de Deus. Isso deu origem ao chamado “evangelho social”, quando, em busca de sua relevância, a igreja se posiciona como uma instituição que atua primordialmente no atendimento às carências imediatas dos povos.

O perigo desse ramo missiológico logo se percebeu. E é denunciado por Sergio Bezerra em seu artigo “La Obra Humanitarista em la Mission de la Iglesia Adventista”: O risco de que no atender as necessidades imediatas das gentes, a igreja se dedique tanto na transformação do atual estado de coisas que perca de vista a aspiração de que este estado de coisas alcance uma falência definitiva, no irromper escatológico do Reino de Deus. Além disso, depõe contra a urgência na proclamação da esperança cristã como a única resposta definitiva de Deus para este mundo. E talvez por isso, segundo Becerra, diante do ataque do Liberalismo teológico a partir de 1920, que propagava a reforma social como o desenvolvimento do Reino de Deus, de modo particular, a Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) tenha diminuído a importância do enfoque social em sua Missão.

Minhas Conclusões


Não desmereço a atitude de protesto da população nem qualquer ação política voltada para o bem comum. Não creio que se calar diante da injustiça também seja aquilo que Deus espere ou exija de seu povo nesses dias, tampouco. E tampouco creio que as manifestações populares tenham direito a exercer violência em favor da paz, como muitos proponentes da TL propuseram nos anos 70. Falar contra as injustiças como James Cone e Martin Luther King no enfrentamento da desigualdade são atitudes que merecem nosso respeito como cristãos e devem ser inclusive, imitados. A própria IASD já redigiu documentos importantes que tratam acerca do aborto, da violência doméstica, da ética cristã focalizando a questão do racismo e em defesa da igualdade e outros. Quando a voz do justo se cala, é como compactuar com a injustiça. Não agir em favor do bem é compactuar com o mal. Tiago já dizia em sua epístola que aquele que sabe o dever de fazer o bem e não o faz, nisso está pecando (Tg 4:17). Omissão é pecado. E assim creio.

Todavia não creio nas soluções meramente humanas para o drama político da nação. Há muito (desde os tempos do Seminário) tive descrença das propostas políticas da TL. Como afirmado acima, penso que todas as tentativas humanas terão de fato seu fracasso, por serem prisioneiras da maldade inerente do Homem. E isso não está longe. Faz parte de nossa História. No tempo do regime militar, havia a sede de uma democratização do poder para benefício dos povos. Para isso muitos foram às ruas e muitos outros morreram. A decepção veio em seguida com a falência dos recursos e na vergonhosa corrupção na era Collor; em seguida com as maquinações secretas dos Tucanos e suas privatizações criminosas; e bem mais recentemente, com a era Lula marcada pela corrupção, e aparelhamento do Estado em benefício próprio. O futuro tão glorioso, prometido pela chamada Esquerda política brasileira descambou na maior decepção política da história nacional. Depois desse embuste perpetrado pelos "heróis" da Esquerda, não se percebe mais nenhuma ideologia nem propostas messiânicas, no horizonte político da nação. E até mesmo o movimento das ruas, tão esperançoso em seu começo, já se demostra fragmentado e sem muitas perspectivas. Para mim, o que de fato nos resta é orar pela regeneração dos corações dos dirigentes da nação e aguardar com paciência, a ação definitiva de Deus, no cumprimento de Sua promessa.

Falando como ministro religioso, volto minha atenção para a minha congregação. Por ocasião de seu VIII Simpósio Bíblico Teológico Latino-Americano da Igreja Adventista do Sétimo Dia, 10 pontos foram destacados pela comissão avaliadora presidida por Alberto Timm e secretariada por Elias Brasil para guiar a Missão da igreja no mundo contemporâneo. Destes, menciono pelo menos dois: 1. Que a igreja deve contextualizar sua mensagem para as realidades históricas e culturais de cada povo, sob a observação de que não se modifique o conteúdo da mensagem original do evangelho (item 5); e 2. que o centro e fundamento da mensagem cristã levada pela igreja deverá sempre ser a pessoa e obra de Cristo (item 6). Penso que esses pontos colocam um limite aos exageros possíveis a todos que querem se aventurar nas tentativas meramente humanas na busca de consolidação da sociedade. Assim, chego à conclusão de que de fato, não há perspectiva de melhoras definitivas para as nações, senão pela ação de Deus no Homem, e de modo definitivo, com a irrupção de Seu Reino entre os homens.

Para terminar, concluo que abrir a boca em favor do Reino de Deus envolve basicamente três atitudes: 1. Falar contra a injustiça e defender o oprimido; 2. Orar em favor da nação e clamar pela visitação de Deus para regeneração dos homens; e finalmente 3. Anunciar o Evangelho e a vinda do Reino como única resposta de Deus às necessidades do ser humano e como concretização de todas as utopias idealizadas por todos os povos, no decorrer dos anos.

E por isso, como João, eu oro: "Ora vem, Senhor Jesus!" (Ap 22:20). - Claudio Soares Sampaio.

Obras usadas:


BENTO XVI. Carta Encíclica Spe Salvi. Sobre a esperança cristã. Edições Paulinas. 2007.

BRASIL, Elias (Editor). Teologia e Metodologia da Missão. VIII simpósio Bíblico Teológico Sul-Americano. CePLiB. cacchoeira, BA, 2011.

MONDIM, Batista. Os Grandes Teólogos do Século Vinte. Teológica. São Paulo, SP. 2004.

____________. Os Teólogos da Libertação. Edições Paulinas, São Paulo, SP. 1980.

OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. 200 anos de tradição e reformas. Vida. São paulo, SP. 2001.


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