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Rembrandt: A jornada espiritual de um artista

 [sempre fui admirador de Rembrandt, razão pela qual disponho este artigo especial de Jon A. Carstens, no qual se analiza a biografia e o legado espiritual do grande artista. Publicado originalmente pela Diálogo Universitário - (CSS, editor)]

Rembrandt: "A Festa de Beltsazar",
inspirada em Daniel capítulo 5.

Em Amsterdão, a estatura de Rembrandt como artista continuou a subir devido à sua maestria na pintura de retratos. Grupos complexos, tais como Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp (a dissecção pública do corpo de um criminoso executado) de 1632, trouxeramlhe destaque nacional e uma grande fortuna. Tal era sua reputação como retratista que ele recebia mais encomendas do que podia executar, levando-o a estabelecer um estúdio de mais de 50 alunos.
Cedo em sua carreira Rembrandt demonstrou o que se tornaria uma paixão por toda sua vida: desenhar e pintar temas bíblicos. Suas obras religiosas iniciais (tais como O Cegamento de Sansão), pareciam por vezes terem sido feitas para apelar ao gosto pela violência ou sensualidade do alto barroco. A representação francamente dramática refletia a influência do tenebrismo de Caravaggio (pintura de modo escuro com luz forte focalizada), combinada com as formas espiraladas e linhas diagonais enfáticas do mestre flamengo Pedro Paulo Rubens.
Em 1634 Rembrandt casou-se com Saskia van Uylenburgh, filha de um rico burgomestre. Ela trouxe a Rembrandt um grande dote. O casal teve quatro filhos, e a família vivia numa casa chique no bairro judeu de Amsterdão, onde o artista tinha muitos amigos e continuou a ser reconhecido como o primeiro pintor da cidade.
A partir de 1635 Rembrandt foi atingido por uma série incrível de revezes. Os sete anos seguintes presenciaram a morte de três de seus filhos, de sua mãe, de sua cunhada favorita e finalmente de sua esposa em 1642. Além destas tragédias pessoais, sua vida profissional também sofreu um golpe pesado. Sua popularidade como artista começou a cair. Depois de pintar sua obra-prima, A Noite da Guarda (a formação de um batalhão da milícia holandesa sob o comando do Capitão Banning Cocq) em 1642, sua obra foi menos bem acolhida por uma sociedade que preferia o gênero elegante ou pintura esplendorosa de panoramas.
Então Rembrandt achou-se em dificuldades financeiras. Um golpe particular foi difícil suportar tanto financeira como emocionalmente. Geertghe Dircx, a ama de seu filho durante sete anos, o processou por quebra de promessa. Apesar de negar jamais ter prometido casar-se com ela, o tribunal ordenou que Rembrandt lhe pagasse 200 florins de sustento por ano.
Embora estas crises aparentemente resultassem em períodos de depressão e introspecção, em meados de 1640 o artista emergiu mais sábio e mais resoluto. Sua arte tornou-se menos melodramática e mais sóbria, com uma corrente oculta de mistério como se vê na pintura de 1648, Ceia em Emáus. O interesse crescente de Rembrandt por temas religiosos pode ter sido em parte o resultado de sua afinidade com os menonitas. Embora haja pouca evidência de que ele se tornasse realmente um menonita, ele partilhava sua crença na autoridade única da Bíblia e o poder da oração silenciosa.
O gênio de Rembrandt estava na arte, mas não nas finanças. Por sua má administração e interesse insaciável na arte (ele possuía obras de Miguel Ângelo, Rafael e Dürer) e em raridades orientais adquiridas num leilão, caiu na bancarrota em 1656. Por volta de 1660 teve de vender sua casa e sua preciosa coleção de arte, roupas e outros objetos que tinham servido de modelos em sua arte. Durante os 10 anos seguintes de sua vida, Rembrandt se viu como um pária em Amsterdão e testemunhou a tragédia da morte de sua segunda esposa, Hendrickje Stoffels, e de seu filho Tito pelo primeiro matrimônio. Em 1669, aos 63 anos, o grande artista morreu só, de uma enfermidade não determinada.
O legado de Rembrandt
Que sobreviveu a Rembrandt? A um nível pessoal, uma filha de sua segunda esposa, uma outra filha tendo morrido antes. Na arte, um legado extraordinário de mais de 600 quadros, 1.400 desenhos e pelo menos 30 gravuras em metal. Mas é talvez na filosofia por trás de sua arte que se encontra o maior tesouro: Ele mostrou que a vida pode ter suas profundezas de desespero e alturas de esperança e contentamento, e contudo como artista ele provê o arquétipo de uma profunda coragem espiritual. Em vez de tornar-se amargurado com circunstâncias incrivelmente tristes, tornou-se um homem de fé resoluta, força e ternura. Suas obras de arte, especialmente as últimas, refletem uma filosofia espiritual que pode ser definida em seis aspectos principais:
1. Reverência pela vida. Nascendo de uma crença central de que todas as coisas vêm de Deus e não devem ser desprezadas, ele possuía uma reverência pela vida em sua totalidade. Todos os humanos eram dignos de sua estima, mesmo mendigos e párias. Diferente do observador casual, Rembrandt se identificava com os desprivilegiados e demonstrava simpatia sincera pelos aflitos.
Este traço básico do sistema de crença de Rembrandt é visto em seu Cristo Curando os Enfermos (1642). Segundo um poema de seu contemporâneo Hendrick Waterloos, a gravura ilustra o capítulo inteiro de Mateus 19. No primeiro plano e à direita está a grande multidão que seguia a Jesus, esperando ser curada. À esquerda estão os fariseus prontos para provocá- Lo. Entre eles e Seus discípulos reprovadores estão as criancinhas buscando Seu abraço e bênçãos. Um exame mais de perto revela um camelo atravessando um arco como contraponto ao jovem príncipe que nega a Cristo por causa de seu apego à riqueza terrestre. Como ponto principal da composição, Jesus literalmente irradia compaixão ao convidar as criancinhas a se achegarem a Ele ao mesmo tempo que curava aqueles que criam em Seu toque transformador. Eis a expressão quintessencial do século XVII de Cristo como o Filho do Homem.
2. Um Deus amoroso e compassivo. Retratando Jesus deste modo, Rembrandt foi além de sua educação calvinista; recusou pintar um Deus severo e assustador. Ao contrário, preferia apresentar o Jesus amorável e perdoador. Como os menonitas, que não faziam distinção de classe entre os membros, ele retratava Cristo como Aquele que abençoava os “pobre de espírito” e como o Mestre sereno que curava e não o Deus implacável de Calvino.
A maneira de Rembrandt representar a Cristo diferia também da tradição artística típica católica romana. Diferente de muitas interpretações católicas, que ligavam a divindade de Cristo com a noção da Igreja Triunfante, retratando-O como distante e temível, Rembrandt revelou o Nazareno humilde — não alheio e não inspirando medo. Para ele, Cristo era o amor encarnado, ministrando a todas as classes e sentindo profundamente suas enfermidades, tendo Ele mesmo conhecido sofrimento e dor.
3. Humanização de temas bíblicos. A humanização da cena pelo artista também se revelava na escolha de modelos, contrariamente a convenções da época. Para Rembrandt, era inconcebível retratar caracteres bíblicos num estilo greco-romano ou nórdico. Seus modelos vinham da comunidade judaica de Amsterdão, muitos dos quais eram refugiados de Portugal ou da Espanha. Assim, seus apóstolos e santos eram pessoas comuns, gastas e empobrecidas, cuja distinção não era física mas espiritual.
4. O enfoque da cruz. Central no cristianismo de Rembrandt era sua crença que a Bíblia toda devia levar à cruz. Estava convencido, porém, que esta mensagem central deve ser interpretada em termos humanos. Para ele, as Escrituras eram o capítulo inicial de uma narrativa da situação humana, uma narrativa dramática e contínua na qual Rembrandt se via a si mesmo e a seus contemporâneos como participantes vitais.”1
Uma expressão consumada de tudo aquilo que ele sentia sobre Deus e sobre a humanidade — sofrimento, paciência, amor e aceitação — é As Três Cruzes, uma gravura drypoint (feita com uma agulha pesada). Cristo é apresentado sobre a cruz, flanqueado pelos dois ladrões. Entre as cruzes estão agrupados os amigos e a família de Jesus, com a representação costumeira de uma Maria em pranto. À esquerda, ao pé do ladrão impenitente, se acham soldados romanos a cavalo e ajoelhado o centurião que reconhece Cristo como o Filho de Deus. Na extrema esquerda há espectadores, alguns tristes, outros discutindo com vigor. Exceto pela iluminação de Jesus como o centro da composição, a cena é tão escura a ponto de esmagar. O âmbito incrível de forças físicas, emocionais e sociais nesta gravura parece dizer que toda a humanidade, incluindo o próprio artista, são culpados da agonia e morte de Cristo.
A profundidade emotiva deste quadro é tanto mais notável quando se considera o meio religioso e artístico no qual Rembrandt viveu — uma cultura holandesa imersa no calvinismo e portanto avessa à arte icônica.
5. Religião da vida de cada dia. A visão espiritual de Rembrandt não se limitava a temas bíblicos. Como muitos protestantes, ele transferiu a religião do confinamento do ritual e dogma da igreja para o domínio da vida diária. Distinções entre o passado e o presente, sagrado e profano, tornaram-se menos e menos evidentes para ele como para outros na Holanda calvinista. Com Rembrandt, a presença humana ultrapassou coisas exteriores para encorporar facetas mais espirituais. O que procurava pintar através de modulações subtis de luz e sombra em quadros de família e amigos, tantas vezes perdidos em seus pensamentos, era “simplesmente a qualidade — secreta, transcendente, espiritual, meditativa...que Cristo tentava evocar nos corações humanos”.2
6. Força divina para a jornada humana. Captar a essência intangível do humano aplica-se especialmente aos numerosos auto-retratos do artista. Continuando uma tradição norteeuropéia de artistas documentarem sua aparência cambiante, Rembrandt legou uma autobiografia visual que registra virtualmente cada ano de sua carreira. A profusão de auto-retratos (mais de 90) pareceria sugerir que Rembrandt era egocêntrico e obsecado com sua aparência. De modo nenhum: Estas obras eram raramente ou jamais imagens de narcisismo. Ao contrário, elas penetram os estados emocionais cambiantes do artista e sua autoavaliação com respeito ao seu Criador. Auto-retrato (1669) marca o cume da vida de um homem que passara de uma face outrora juvenil e cheia de otimismo transbordante para um rosto que reflete cansaço e calma dignidade. Como toda a humanidade, também ele era fraco e vulnerável; contudo restava algo inerentemente nobre nesta autocaracterização final. Embora desgastado por cuidados e ansiedades, demonstrou um espírito indômito como uma revelação da capacidade humana de sobreviver às crueldades da vida quando fortalecida pelo amor e poder infinitos de Deus.
Enquanto as obras de Rembrandt têm-nos proporcionado um vislumbre da relação de um homem com Deus e seu próximo num tempo e lugar específicos, também conseguiram tocar uma corda em todos nós. Sua arte, ao mesmo tempo pessoal e eterna, descreve “não só sua peregrinação, mas também a de toda a humanidade em direção de uma paz final com este mundo e com Deus.”3
Jon A. Carstens (M.A., University of California em Riverside) leciona história da arte em Pacific Union College (Angwin, California 94508; E.U.A.).
Notas e referências
1.   Robert Wallace, The World of Rembrandt: 1606-1669 (New York: Time-Life Books, 1968), pág. 168.
2.   Idem, pág. 135.
3.   Idem, pág. 7.

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