A PROSTITUIÇÃO E QUESTÃO DA MORALIDADE

Hoje dia de folga lendo uma notícia veiculada recentemente na internet me dei conta de que a prostituição cresceu 20% em Belo Horizonte este ano. Uma entidade que representa o grupo afirma que só em MG já são mais de 1500 prostitutas ativas. No Brasil são mais de 500 mil. No mundo, são cerca de 40 milhões, de acordo com a BBC. 

Na atualidade a prostituição tem sido defendida como um trabalho tão digno quanto qualquer outro. Talvez por isso haja esse crescimento do número de pessoas envolvidas a cada dia. Porém não falta quem condene o ofício entendendo que se trata de uma prática imoral e degradante. 

Quem se sente à vontade para defender essa prática pode argumentar como Sartre, de que não havia a chamada "moralidade sexual" antes do cristianismo romano, e que os limites morais que inibem a liberdade sexual  são meramente uma imposição dos cristãos sobre a cultura ocidental após a impostura do Catolicismo Romano depois do sec IV.

Porém uma análise da história demonstra que essa percepção da moralidade conservadora sobre a prostituição vem de uma ordenação social anterior ao Cristianismo institucionalizado, baseada numa moralidade não imposta mas herdada e preservada. Não apenas os crentes condenaram a prostituição como vergonhosa e degradante. A sociedade em sua maior parte desde muito tempo assim a vê.

Isso se comprova ao analisarmos  alguns fatos históricos da sociedade anterior ao Cristianismo Romano e sua relação com os dias de hoje: 

1 ) Em primeiro lugar se observa que de fato na Roma antiga a prostituição era reconhecida como um ofício. Essa prática não era restrita a Roma, mas na Capital do Ocidente era algo comum tanto a homens como  mulheres, de diversas posições sociais. 

Quem desejasse iniciar no ofício precisava de uma inscrição e licença do Estado para oferecer serviços que eram taxados com impostos. Essa "licença para a devassidão" (licentia stupri) exigia a identificação do nome, local de nascimento e o nome de profissão a a ser assumido. Uma vez inscrita no ofício esse status jamais poderia ser revogado. Uma vez prostituta, assim seria até a morte. Era de fato um "ofício", se visto por esse ângulo.

Apesar de haver homens no ofício este era praticado em sua maioria por mulheres. Algumas eram forçadas a adentrar no ofício por sua condição de escrava, outras por dificuldades financeiras mas havia também as que se enveredavam por opção. Nenhuma pessoa era impedida de exercer o ofício, mas como prostitutas não teriam acesso a todos os privilégios de um cidadão comum, como se casar com um homem livre, receber herança ou até mesmo gozar da ampla proteção do Estado. Isso demonstra que o Estado não via essa ocupação com bons olhos. 

2 ) Em segundo lugar, é certo que havia as chamadas prostitutas cultuais, as sacerdotisas sagradas que se prostituíam nos locais de certos cultos pagãos. De fato essas ditas prostitutas gozavam de respeito e status privilegiado, mas a prostituição comum não possuía o mesmo glamour. 

Essa distinção era vista quando as sacerdotisas passavam pelas ruas. Nesse caso todas impurezas, incluindo as prostitutas comuns eram retiradas de seu caminho, pois estas eram vistas como impuras. Ou seja, mesmo a religiosidade pagã não se associava a prostituição de rua.

3 ) Em terceiro lugar havia uma certa organização social excludente para a prática do ofício. Como nos dias atuais as prostitutas comuns poderiam trabalhar em Lupanares (bordeis) sob a exploração de um Proxeneta ou Leno (cafetão) ou em domicílio próprio, de modo autônomo. Geralmente os Lupanares eram locais marginalizados abertos na periferia. 

Mas  esses serviços também eram oferecidos nas ruas, portas de teatro ou cemitérios e suas tarifas eram vistas como relativamente baratas e acessíveis. A vergonha de ser encontrado nesses ambientes  de exposição fazia com que muitos frequentadores usassem de disfarce, como perucas ou máscaras. Não era algo decente.

4 ) Em quarto lugar há evidências de que as prostitutas se prestavam a serviços vistos como desonrosos. Numa sociedade mormente estoica, na qual se impunha às mulheres casadas a prática da virtude, as prostitutas se ofereciam para atender os desejos depravados do cidadão comum. Sua função era especialmente oferecer serviços como sexo an@l e or@l, que naquele tempo eram conhecidos como tabus e sinônimo de degradação moral na vida privada. Eram por isso, os serviços mais caros das cortesãs.

Outro tabu oferecido era a inversão sexual, na qual o cliente assumiria o papel de "passivo". Geralmente tanto esse serviço quanto o sexo or@l eram oferecidos especialmente por homens. Porém caso um cidadão comum fosse encontrado na prática  da pederastia passiva, nalguns casos isso poderia lhe custar a vida. A prática da homossexualidade era vista sob ar negativo pelo cidadão romano e era definida como um "vício" dos gregos.

5 ) Em quinto lugar os termos usados para definir as praticantes desse ofício demonstram uma visão degradante. 

Um dos termos usados para definir a prostituta comum era "infame". O termo mais comum (prostituta) vem do termo latino "pro statutuere", que traduzido quer dizer "mostrar", "colocar na frente". Esse título por si só era um sinônimo de exposição e vergonha. Porém, entre as pessoas dedicadas a esse ofício havia certas distinções:

Havia a "Pa" que se oferecia a qualquer um que se dispusesse a pagar o preço exigido. Havia a "Delicatae", considerada como uma cortesã de luxo, que selecionava seus clientes e se entregava somente a quem ela queria. E havia também as "Copae", que trabalhavam nas tavernas, conhecidos antros de vícios e depravação. Eram as mais acessíveis. 

Embora o termo "Meretriz" seja aplicado na atualidade a todo tipo de pessoa dedicada a esse ofício, no mundo antigo "Meretrix" era o termo aplicado à uma espécie de agenciadora que obtinha vantagens financeiras das praticantes do ofício.

Esses dados nos oferecem base para algumas conclusões óbvias: 

1) Que apesar de certo glamour criado em torno da prostituição na atualidade, desde tempos antigos aos olhos da sociedade sempre foi sinônimo de degradação. 

2) Que este estigma de imoralidade e visão negativa da prostituição antecede ao surgimento da moralidade cristã. O cristianismo reforçou essa visão já incipiente na sociedade profana e só.

3) Que mesmo sob a licença legal do Estado, quem busca viver da prostituição ou contrata seus serviços, desde os tempos antigos se expõe a depravação e vergonha. 

4) Que essa percepção de limites morais se enquadraria muito bem no conceito de "imperativo categórico" (Kant), que pela ótica cristã, vem de nossa origem, princípios morais implantados em nossa natureza pelo próprio Deus Criador. 

5) Que embora o Cristianismo tenha influenciado o Estado romano em seu código moral e legal sua proposta acerca de limites na sexualidade, especialmente no caso da prostituição, foi apenas de Conservar e preservar. 

Não há base para afirmar a prostituição como um ofício digno e honrado. Talvez por isso não nos causa estranheza perceber que ao falar sobre prostituição o Novo Testamento a coloque num viés negativo. Paulo por exemplo condena explicitamente o contato sexual do crente com uma prostituta (1Co 6:15-17). 

Por outro lado há lugar para as prostitutas que queiram a graça de Deus. Jesus mesmo acolheu prostitutas, e elas entraram no seu Reino antes dos fariseus e moralistas de seus dias (Mt 21:31-32). A uma prostituta teria dito: eu não te condeno, vá e não peques mais (Jo 8:11). 

E continua dizendo a mesma coisa até hoje.