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O Ambiente Cultural da Igreja Primitiva nos Primeiros Séculos


Bibliografia principal: Carlos Ignácio González (SJ). Ele é a nossa salvação: Cristologia e Soterologia . São Paulo, Loyola: 1992; Justo L. Gonzales. Uma História Ilustrada do Cristianismo Vol. 1: A Era dos Mártires. São Paulo, Vida Nova: 1989; Roger Olson. História da Teologia Cristã. São Paulo, Vida: 2001; Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica. Rio  de janeiro, RJ, CPAD: 1999; Werner Georg Kümmel. Síntese Teológica do Novo Testamento. São Paulo, SP, Teológica: 2003.
 
A fase inicial da igreja cristã conhecida como primitiva tem sido considerada como o período desde o século I, com a experiência Pascal dos primeiros discípulos de Jesus, até o fim do século IV. Porém, desde o início do século II d. C. pode se constatar o que se pode definir como período dos Pais Apostólicos, sendo estes, os bispos que desenvolverão a concepção da autoridade da Escritura e da sucessão apostólica. Segundo Olson (2001), é nesse segundo tempo histórico que se inicia o desenvolvimento teológico da Igreja, sendo que a teologia é a reflexão acerca da salvação trazida por Jesus e acerca da pregação apostólica do século I. Desse modo, à parte dos evangelhos, a compreensão cristã acerca de Jesus tal como se tem em mãos em forma de documentos, surge apenas alguns anos após sua morte, ocorrida em 31 d. C.
 
Este período tem sido apresentado como aberto a diversas influências para a compreensão da Igreja acerca de sua fé bem como a maneira adequada de comunicá-la aos descrentes. Isso implica que as doutrinas defendidas pela Igreja teriam sido moldadas, não apenas a partir da reflexão histórica da caminhada com Jesus, como também a partir da sua própria experiência histórica, pois a fé se desenvolveu na história e está de algum modo ligada a ela.  Desse modo, para se compreender a teologia da Igreja, deve-se também compreender sua história. Por isso, a primeira tarefa será apresentar uma breve exposição da vida histórica dos primeiros séculos da Igreja e os elementos históricos que contribuíram para a formação de seu credo.
 

1. A Palestina do Século II a.C. ao Século I d.C.


A Igreja cristã tem estreita ligação com o Judaísmo. Justo L. Gonzalez (1989) afirma que de início, os cristãos não se consideravam uma religião separada do Judaísmo. Para eles, a diferença é que em Cristo, a esperança messiânica do Judaísmo já havia desabrochado. Apesar de que nos anos seguintes, o Judaísmo e o Cristianismo seguiram rumos opostos, a história inicial da Igreja cristã se acha inserida no contexto da história do Judaísmo, e seus desafios no século I foram os mesmos, diante do paganismo daqueles dias.
 
A Palestina, desde o século XV a.C. é apresentada na Bíblia como um lugar onde se desenrola a caminhada do povo judeu e palco especial das revelações de seu Deus. Estava localizada no centro comercial do mundo oriental daqueles dias e talvez por isso, sua história se apresenta repleta de episódios de guerras e conflitos armados em torno de questões religiosas e da posse da terra.
 
O Judaísmo palestinense, do qual surgiu a Igreja cristã, é apresentado por Justo L. Gonzalez (1989) como fruto de longas disputas contra o helenismo[1]. Desde a conquista da Palestina por Alexandre até a destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C., se pode ver este período histórico “como um conflito constante entre as pressões do helenismo por uma parte e a fidelidade dos judeus a seu Deus e suas tradições por outra.” (GONZALEZ, 1989, vol. 1, p.16). O ponto culminante dessa luta contra a dominação grega imposta teria se dado com a revolta dos Macabeus, nos dias do século II a. C. contra Antíoco IV, o rei selêucida profano conhecido como Epifânio.  A vitória dos Macabeus trouxe um clima de apocalipticismo[2], como se estivesse raiando a aurora dos tempos messiânicos sonhados pelo Judaísmo pós-cativeiro. Porém, pouco tempo depois, João Hircano, um dos filhos de Simão Macabeu, começou a se adequar aos costumes dos povos circunvizinhos e a favorecer as tendências helenistas. E já no tempo de Jesus, Herodes, o rei dos judeus, que por um lado, era ligado à família dos Macabeus por parte de sua esposa, era também um aliado de Roma e não tão ligado às tradições do Judaísmo oficial. Mesmo após a dominação romana a partir do ano 63 a.C., o pensamento grego se impunha sobre o mundo daqueles dias. A língua, as artes, o pensamento e a religiosidade das massas refletiam a influência grega.  E como um povo radical em sua fé, os judeus se envolviam em conflitos à menor ameaça à sua fé monoteísta.
 
Jesus nasceu em um tempo de conflitos, quando a população judia se rebelou contra o governador da Judéia, Arquelau (cf. Atos 5:37) e em um momento de conflitos dentro do próprio Judaísmo. Isso porque também dentro da religiosidade oficial, se notou a presença dos conflitos. Havia, de um lado, a presença dos fariseus, ala radical do Judaísmo, que buscava uma aplicação dos preceitos da Lei de Moisés ao dia-a-dia do povo. Por outro, a dos saduceus, reconhecidos como ala liberal, que rejeitava as crenças sobrenaturais dos fariseus como os anjos e a ressurreição dos mortos. Além disso, estavam dispostos a agir de conformidade com o governo de Roma para garantir favores políticos. À parte do Judaísmo dito oficial, havia também outras categorias marginais como os essênios, possuidores de uma doutrina secreta, de tendências gnósticas, aberta apenas aos iniciados.  E havia os zelotes, membros de um movimento revolucionário radical, que usava de recursos não-ortodoxos para a libertação política do povo judeu.
 
Pode-se dizer que o período de nascimento da Igreja na Palestina foi marcado por um Judaísmo palestinense classificado pela fidelidade radical por um lado, e por um liberalismo de outro; e à margem disso, uma religiosidade não-conformista e uma ânsia de libertação política do poderio romano. Nesse ambiente Jesus teria chamado seus discípulos e iniciado sua caminhada que culminaria com sua morte sob Pôncio Pilatos em 31 d.C. também foi nesse ambiente que a comunidade primitiva se formou. Essa comunidade teve sua origem, segundo Werner G. Kümmel (2003), a partir da visão de Jesus ressuscitado.
 
Para Justo L. González (1989), na verdade, os primeiros cristãos não buscavam rompimento com o Judaísmo. Eles freqüentavam o Templo e as sinagogas, embora anunciassem que Jesus era o cumprimento das promessas de Deus a Israel. Uma dificuldade doutrinária enfrentada pela Igreja em relação ao Judaísmo do século I e que, segundo Carlos I. González (1992), redundaria em uma crise doutrinária dentro da própria comunidade seria a presença de um monoteísmo rígido. Para a mentalidade judaica, mesmo após o ingresso na comunidade cristã de seus dias, era difícil conciliar a fé monoteísta como apresentada na tradição religiosa antiga com a fé em Jesus como Senhor[3], uma vez que esse título honorífico era nada menos que um reconhecimento de sua igualdade com o Deus do Antigo Testamento. Em decorrência disso, várias heresias vieram comprometer a visão trinitária da fé cristã desde os seus primeiros anos.
 

2. O Mundo Helenista

 
No mundo grego, a tradução dos escritos sagrados do Judaísmo, a Septuaginta (LXX), se tornou uma das maiores propagandas da religiosidade judaica. Para Justo L. Gonzalez (1989) eram dois os elementos distintivos do Judaísmo helenista em relação ao Judaísmo palestinense: o idioma grego e o contato maior com a cultura helenista.
 
Uma característica da religiosidade judaico-cristã na dispersão seria a apologia. Era preciso defender sua fé diante das filosofias gregas. E em Alexandria, sob a liderança de Filo, surgiu este movimento que buscava conciliar o melhor da filosofia grega com a cultura hebraica. Pode se perguntar aqui quais seriam as expressões religiosas do mundo grego. Uma análise atenta revela que havia um sem-número de modalidades religiosas em contraste com o monoteísmo cristão e judaico. A busca de unidade no império romano levou Roma a permitir o sincretismo religioso e ao lado deste, o culto ao imperador. Pode-se dizer que “o sincretismo era a moda da época” (GONZALEZ 1989, vol. 1, p.25). As diferentes expressões religiosas do mundo greco-romano eram marcadas pela presença dos mitos acerca das origens e dos deuses em questão. A popularidade destes cultos era tamanha que era comum os fiéis colecionarem os mistérios, se iniciando em diversos cultos, “um após outro” (GONZALEZ 1989, vol. 1, p. 27). E os cristãos que se recusavam a participar dessa modalidade religiosa, bem como ao culto ao imperador, segundo Eusébio  de Cesaréia (1999), eram chamados de “ateus”.  Na busca de uma linguagem para defesa da fé, alguns judeus cristãos buscavam no próprio mundo grego tradições filosóficas que tivessem uma afinidade com suas crenças. Justo L. Gonzalez (1989) entende que duas tradições foram aceitas pelos cristãos helenistas (alguns) como adequadas para expressar sua fé: o estoicismo e o platonismo.
 
Acerca do estoicismo, pode-se dizer que se tratava de uma filosofia que pregava a luta da razão contra as paixões. O homem sábio deveria dominar suas paixões até ao ponto de não mais senti-las. Quanto ao platonismo, este tem ligação com a doutrina de Sócrates e Platão. Estes eram dois mestres gregos que criticavam a religiosidade grega e taxavam-na de invenções humanas. Platão, por exemplo, falava de um Ser supremo, imutável, perfeito, que era suprema bondade e beleza. Uma das crenças comuns entre Sócrates e Platão “era a imortalidade da alma e, portanto, na vida após a morte e falavam de um mundo invisível e permanente. [Por tudo isso] a filosofia platônica exerceu um influxo sobre o pensamento cristão que ainda perdura” (GONZÁLEZ, 1989, vol. 1, p.29).
 
Tanto o platonismo quanto o estoicismo traziam o perigo de que se confundisse a fé cristã com estas doutrinas filosóficas e assim se perdesse algo do caráter único do evangelho. Gonzalez (1989) chega a dizer que “não faltaram aqueles que em um aspecto ou noutro sucumbissem ante essa tentação” (GONZALEZ, 1989, vol. 1, p.30). Uma das mais terríveis influências, de acordo com Carlos I. Gonzáles (1992) teria sido o gnosticismo. Canale (2000) também denuncia a presença de um neoplatonismo difundido por Plotino (c. 205-270 d.C.), que promovia um sincretismo religioso dentro do cristianismo, nos dias do século III. Desse modo, a cultura grega com base em sua religiosidade mística de tendências esotéricas veio abalar a fé da Igreja.
 

Resumo

 
A Igreja Primitiva nasceu em um ambiente controvertido. Dentro do Judaísmo, a religiosidade se dividia em várias direções. As influências do mundo grego desde o período intertestamentário vieram a fortalecer diversas filosofias que influenciariam o pensamento cristão. De um lado (judaico), o legalismo farisaico, e um apego ao monoteísmo rígido. Do outro (helenista), o estoicismo e o platonismo. Estas principais ideologias vieram influenciar e a compor o imaginário cristão nos dias de nascimento da Igreja Cristã [Por Pastor Claudio Sampaio, com a colaboração de Uziel Prates].
 
Continua na próxima matéria:
"As Disputas Trinitárias e Cristológicas e a Formação dos Credos na Igreja Primitiva "
     

[1] De acordo com Justo L. González  ( 1989), era o resultado de uma utopia de Alexandre, o Grande, que sonhava não apenas em conquistar o mundo, mas unir as várias nações sob uma mesma civilização marcadamente grega. Assim, o helenismo se tornou conhecido como a tendência de combinar os elementos puramente gregos com outros adquiridos das várias nações conquistadas pela nação grega. Essa prática, se tomada sob o ponto de vista religioso, tendia a relativização da fé no Deus único, como era reconhecido pelos judeus, causando os conflitos, causando os conflitos.  

[2] O apocalipticismo pode ser considerado mais adequadamente como uma maneira de ver o mundo e está diretamente ligado ao gênero literário conhecido como apocalíptico. Este tema tem sido amplamente discutido no âmbito da teologia bíblica e sistemática e há até mesmo a proposta de Boff (1973), que sustenta a idéia de que uma discussão de fato erudita sobre o tema há de considerar não apenas o apocalipticismo, mas também o que é o apocalíptico como autor e os apocalipses enquanto gênero literário. Segundo Boff (pelo menos até 1973), ninguém ainda teria se dado ao trabalho de um estudo completo sobre este tema.  Na doutrina costumam aparecer os seguintes temas na apocalíptica: Uma espera febril do fim do mundo, concebido como uma catástrofe cósmica; divisão do tempo do mundo em períodos; existência de muitos anjos e demônios; concepção dualista da história que implica na destruição final dos reinos terrenos; crença no messias, como garantia da redenção para os justos; salvação paradisíaca e glória como estado final do homem. A nível doutrinal convém mencionar também um certo otimismo que perpassa os escritos apocalípticos, no que eles se assemelham à esperança escatológica dos profetas. Os escritos apocalípticos não se contentam em constatar o fracasso do plano divino. Querem mostrar que, no final dos tempos, Deus triunfará sobre as forças do mal no mundo. Quanto ao que se considera o gênero literário dos apocalipses, Hale (2002) apresenta que este fenômeno literário extra-canônico ocorreu quando a “escatologia judaica” (conteúdo da mensagem) uniu-se ao “mito judaico” (forma da mensagem) durante uma época de perseguição (propósito da mensagem). Pode-se dizer que a literatura apocalíptica extra-canônica seria uma maneira de trazer a mensagem de consolação profética através de uma linguagem mítica ao povo de Deus em seus momentos de tribulação. Paul (1981) apresenta três épocas que marcaram seu surgimento. O primeiro momento é apresentado como sendo o tempo de dominação grega sobre os judeus pelo rei selêucida Antíoco Epifânio, por volta de 167 a. C. e a conseqüente revolta dos macabeus. O segundo momento seria por volta de 63 a. C., posterior ao começo da dominação romana sobre a Palestina. O terceiro momento surge após a queda do Templo de Jerusalém em 70 d. C. e a dispersão dos judeus, tempo em que (provavelmente) o evangelho de Mateus foi escrito. A literatura apocalíptica buscava proporcionar ao povo judeu não apenas o senso histórico de sua identidade como povo eleito, mas a certeza de que apesar de seu aparente fracasso como nação, o seu Deus conduziria a História ao desfecho esperado, a saber, o cumprimento das promessas especificadas em seus escritos sagrados e em suas sagradas tradições. Sendo apresentado como apreciado pelos judeus, literário Paul (1981) afirma que este estilo irá influenciar profundamente a produção literária do NT, especialmente o evangelho de Mateus, no qual se encontra o texto em análise, carregado de temas apocalípticos”. (SAMPAIO, Claudio. A Vinda do Filho do Homem em Seu Reino e o Caminho do Discípulo: uma interpretação de Mateus 16:28 na apocalíptica judaica e apostólica. Monografia apresentada para obtenção do título de Pós-Graduação em Ciencia da Religião. Belo Horizonte, MG: FUNDECT, 2007. p.17-18).

[3] A palavra Senhor usada no Novo Testamento quando ligada à pessoa de Jesus em geral vem do grego kürios e era tida como equivalente ao termo hebraico Yahweh, um dos muitos nomes do Deus dos hebreus, também traduzido como Senhor no Antigo Testamento, nas Bíblias cristãs populares.

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