Diversas
explicações foram dadas sobre a identidade do ebed Yahweh, o Servo
do Senhor, em Isaias 42 a 53. Ao todo, são pelo menos quatro cânticos em cinco capítulos:
Em Isaías 42; 49; 50:4 a 9; 52:12 a 53:12. Alguns pensam que este Servo é uma representação
da nação de Israel de modo coletivo. Outros entendem que se refere ao próprio
profeta Isaías. Há também aqueles que o aplicam diretamente a Ciro, o
libertador de Israel e conquistador da Babilônia. E finalmente há aqueles que
entendem se tratar ali de uma profecia aplicável apenas à pessoa de Jesus, o
Cristo. Mas a pergunta é: qual desses sentidos poderíamos nós entender
como unicamente válido? A resposta mais sábia seria: ambos, obviamente.
O Cântico do Servo surge em Isaías no momento em que se anuncia de
maneira profética, a redenção de Israel do cativeiro Babilônico, e isso nos
mostra a sua identidade profética. Na verdade, a palavra Servo tem seu sentido
no livro de Isaías como uma figura simbólica que evoca o propósito divino para
todos nós: a submissão que deve caracterizar a vida de todo aquele que se
coloca ao serviço de Deus. Desse modo, de maneira histórica, pode-se dizer que
tanto as figuras de Israel e de Isaías quanto a de Ciro, o conquistador persa,
foram servos nas mãos de Deus a fim de que se realizassem Seus santos
desígnios. Contudo, seu sentido aplicado a Jesus Cristo só se entende à luz da
tipologia da Escritura e seu sentido profético e transcendente. Em várias
ocasiões, o profeta Isaías mesmo lançou mão de uma crise local para projetar
luz sobre os dias futuros. A condenação local ao rei de Tiro, por exemplo, em
Isaias 28, salta de uma figura literal e local para um personagem mítico e
universal, que em sua arrogância contra o governo de Deus, foi lançado para o
abismo de trevas. Também, neste caso, à luz do aspecto redentivo de Deus, a
figura do Servo avança para além dessas figuras históricas de Israel, Isaías e
Ciro. Isso porque no texto em questão, nem todas as referências podem ser
aplicadas à essas figuras. A exemplo, lemos no primeiro cântico:
“Assim diz
Deus, o SENHOR, que criou os céus e os estendeu, formou a terra e a tudo quanto
produz; que dá fôlego de vida ao povo que nela está e o espírito aos que andam
nela. Eu, o SENHOR, te chamei em justiça, tomar-te-ei pela mão, e te guardarei,
e te farei mediador da aliança com o povo e luz para os gentios; para abrires
os olhos aos cegos, para tirares da prisão o cativo e do cárcere, os que jazem
em trevas” (Isaías 42: 5-7).
Pois bem.
Considerando que nem todas as referências do texto alcançam cumprimento nos
dias do profeta, trata-se então de uma tipologia profética. Explicando de um
modo simples, a interpretação tipológica é um modo de dizer que um
personagem ou evento da Escritura no Antigo Testamento anuncia outro personagem
ou evento do Novo Testamento que cumprirá de modo mais pleno a mensagem
profética contida no texto bíblico. Tal é o caso de Salomão, que por nós
cristãos, é considerado um tipo de Jesus, de modo que Ele mesmo aceitou ser
chamado Filho de Davi. E tal é o caso do Servo em Isaías. Embora em alguns
textos se aplique a Israel (41:8, 44:1 e 21; 49:3), a Isaías (44:26; 49:4-6) e
mesmo a Ciro (45:1), a dimensão plena e escatológica de sua obra somente poderia
ser compreendida à luz do Evangelho e da obra de Jesus de Nazaré.
Entendida
assim, a profecia anuncia de modo gracioso as ações do Servo Sofredor em Sua
obra de redenção. Neste particular chamo a atenção para o primeiro cântico em
Isaías 42 e as declarações proféticas relacionadas à gloriosa obra do Servo de Yahweh.
1. Em
primeiro lugar, se diz que Ele seria portador do Espírito Santo (v. 1b). À luz
do evangelho, notamos a maravilhosa ação do Espírito Santo na vida de Jesus. De
modo claro, percebemos que nenhuma maravilha ocorre na vida de Jesus senão após
o Seu batismo por João, o Batista, como relatado por Mateus 3:13. Ali se diz
que ao ser batizado, Jesus saiu da água, os céus se abriram e o Espírito veio
como uma pomba sobre Ele. Numa clara referência a Isaías 42.1, ouviu-se uma voz
do céu que dizia: “este é o meu Filho amado, nEle se compraz a minha alma”.
Desse modo, ao inaugurar seu ministério em Nazaré, o livro de Lucas afirma que
Ele tomou o livro de Isaías 61:1-2a, cujo contexto se aplica à obra do Servo,
na plenitude do Espírito Santo. Ele mesmo disse:
“O Espírito
do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres;
enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos
cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do
Senhor.” (Lucas 4.18-19).
Toda a ação de Jesus, então, seria na plenitude do Espírito. Será Ele
então aquele que cumprirá todas as exigências de Isaías 42, quanto à missão
dada ao Servo. Através de Jesus, o Céu desceu a todos os homens. A partir dEle,
o Espírito está disponível a todos aqueles que atenderem ao apelo de Deus para
uma atitude de reconciliação (Atos 2:39).
2. Em segundo lugar, se diz que Ele teria um objetivo santo (v.1c) o
Servo teria um ministério para com todas as nações, aplicando o “direito” (nos
vv. 1 e 4 ). Segundo o Comentário Bíblico Moody, a palavra
"direito" presente nos vv 1, 3 e 4 vem de mishpat e implica
em padrões ou princípios de santidade e verdade divinas – a verdadeira fé do
evangelho. Somente Jesus realizou plenamente essa obra. Ele promulgou o direito
de Deus. Sua mensagem trouxe a revelação da Palavra de Deus e a visão
verdadeira acerca da vida perfeita aos olhos de Deus. Por Sua vivência, Suas
ações e palavras, Deus proclamou Sua justiça ao mundo. Por isso, Jesus mesmo
disse: “o meu ensino não vem de mim, mas dAquele que me enviou” (João
7:16).
3. Em terceiro lugar, Ele seria generoso e compassivo (vv 2-3). Ele não
usaria da força a fim de executar sua missão. Ele faria uso do amor e da
compaixão. Embora anunciasse o direito, não seria um déspota ou ditador (“não
clamará”, “não fará ouvir sua voz na praça”), nem machucaria ao fraco e débil
(“não esmagará a cana quebrada nem apagará o pavio que fumega”). À luz da
história de Jesus notamos essa maravilhosa ação. Ele que era puro e sem pecado,
não se levantava a fim de acusar, mas de salvar. Ao débil e defeituoso, carente
de luz e salvação, dava Ele mais luz e esperança. Três episódios nos evangelhos
nos revelam isso.
O primeiro se refere a Zaqueu, o publicano de Jericó, em Lucas 19. Sendo
ele nada mais que um trapaceiro e desonesto aos olhos da sociedade e da elite
religiosa de seus dias, Jesus viu nele um candidato ao Reino dos Céus. Ele
entrou na casa de Zaqueu, e com sua chegada, veio salvação àquela casa.
O segundo se refere à mulher pecadora de João 8. Presa em flagrante
adultério, foi conduzida aos pés de Jesus a fim de que julgasse o que fariam a
ela. Se Jesus apenas fosse um anunciador da letra da Lei, certamente daria Ele
a ordem de fuzilamento. Mas era Ele também o Mestre do amor. E àquela cana
vergada ao peso da culpa, deu o amparo e o perdão que necessitava. Bem disse
certo pregador: Jesus não tratava aos caídos do modo como deveriam
ser tratados, mas do modo como precisavam. Aliás, se fôssemos todos
tratados como merecemos, quem subsistiria? Não há nem um justo, nem um sequer
(Romanos 3:10).
O terceiro se refere à parábola do pai sábio e seus dois filhos tolos,
em Lucas 15. O filho mais moço, que era rico na presença do pai, pensou ser
melhor partir para uma terra distante em busca de melhor sorte. Qual não foi a
sua decepção! Ele que era um príncipe, chega de repente ao reino dos mendigos,
ao cuidado dos porcos e disputa com eles sua comida. Contudo, num relance de
luz, redescobre o rumo de sua casa. A lembrança da bondade de seu pai o atraiu
de novo. E quando retorna marcado pela vergonha, com pés cambaleantes, nada lhe
é exigido. Àquele pavio de luz bruxuleante, àquela cana vergada
ao peso da culpa e do pecado deu o pai o calor de seu abraço e um lugar à sua
mesa.
Com essas parábolas Jesus queria apenas nos dizer que Deus não apenas
recebe pecadores através de Sua obra e graça, mas vai ao encontro deles, os
abraça e lhes dá um lugar em Seu Reino. Se a Ele se voltarem, Jesus não apagará
sua última fagulha de esperança. Ao contrário, se acenderá neles a luz da vida.
4. Em quarto lugar, notamos que em sua missão, o Servo não desanimaria
(v. 4). Tal verdade nós encontramos na obra de Jesus. Perseguido pela elite
religiosa de Seus dias e incompreendido pelos seus irmãos, dentro de sua
própria família, Ele não desanimou diante da obra que veio realizar. Traído
pelos seus melhores amigos e vendido por um discípulo pelo preço de um escravo,
não desistiu de sua missão. Afrontado, traído, ferido e condenado em solidão,
mergulhou no vale das sombra e da morte, para dali resgatar a Sua ovelha amada.
Jesus jamais perdeu de vista a Sua missão nem desanimou diante do fardo que ela
Lhe cobrava. Como Jacó que trabalhou sete anos como se fossem sete dias, pelo
muito que amava Raquel, a força que movia o coração de Jesus era tão somente a
grandeza do amor do Pai pelos Seus filhos extraviados.
5. Em quinto lugar, por meio de Sua obra, Ele abriria a aliança de Deus
para toda a humanidade (v. 6). Embora esse fosse o plano original de Deus, nos
dias de Jesus, as bênçãos da Aliança eram retidas pelo povo judeu como se
apenas a eles pertencessem. De modo que embora cercados pelos povos
sedentos da promessa de Deus, como o eunuco de Atos 8, que segundo a Escritura
viera a Jerusalém para adorar, eles buscavam mais apartar-se que reunir-se a
eles em torno da Aliança. Quando Jesus veio, deu a entender que todos estavam
sob a graça infinita de Deus, mesmo os mais degradados. Com Sua morte, Ele anuncia
não mais a pertença a uma nação como exigência para participação nas bênçãos do
Pacto, mas sim a fé que opera pelo amor. “Eu sou o caminho a verdade e a
vida, ninguém vem ao Pai senão por mim” (João 14.6).
Essa visão tipológica do Servo em Isaías abre nossa compreensão para a
vida e o ministério de Jesus. Mas avança para mais além. Em Isaías 53 se diz
que o Servo realizaria uma obra redentiva por meio de Sua morte, que seria
aceita por Deus como vicária. Desse modo, fica mais claro que através dessa
compreensão, afirmamos que apenas Jesus, como Servo escatológico de Yahweh
realiza plenamente aquilo que nós apenas podemos sonhar empreender: o perfeito
cumprimento da vontade do Senhor por meio de nossa vida. Por isso nossa
esperança descansará apenas Nele. Ele é Aquele que realiza plenamente o querer
de Deus. Ele é nosso perfeito substituto, e em Seus ombros descansamos o
destino de nossa vida.
Conta-nos Mark Guy Pearse sobre ter lido que quando Napoleão fez sua
entrada na Rússia, homens, mulheres e crianças permaneceram dias e noites no
percurso que ele devia fazer, para vê-lo passar. Conta também, que alguns
clérigos no norte da Escócia fizeram a pé todo o caminho a Londres com o
objetivo único de verem o Duque de Wellington, e depois que o viram agradeceram
a Deus e voltaram considerando-se bem recompensados.
E essa é a lição final: Se homens como Napoleão e o Duque de Wellington
atraíram tantos, quanto mais Jesus, o Rei dos reis e o Senhor dos senhores,
feito Servo em nosso lugar deve atrair-nos não só para admirar a Sua grandeza,
mas também para servirmos com inteira consagração em Sua nobre causa!
Nesse Dezembro, seja Ele o foco de nosso afeto e assim seja por toda a
vida. [Autor: Claudio Soares Sampaio, Pastor].
Que texto maravilhoso. Aprendi muito!!
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