por Milton L. Torres, PhD
Professor de Teologia no UNASP
Resenha do livro: KNIGHT, George R. A visão apocalíptica e a
neutralização do adventismo: estamos apagando nossa relevância? Tradução de
Davidson Deane; Karina Carnassale Deana. Tatuí, SP: CPB, 2010.O fato de George Knight escrever livros provocantes e historicamente precisos já não nos surpreende. Esse pensador adventista tem um pendor natural para a leitura das épocas e a interpretação dos tempos, especialmente no que diz respeito ao percurso dos adventistas do sétimo dia. No caso deste livro, o próprio título já traz consigo uma ambiguidade instigante: a neutralização do adventismo pode ser sua “castração”, um impedimento à sua reprodução ou crescimento.
O capítulo 1 (“O cordeiro e o leão”, p. 7-28) procura responder a pergunta:
“por que ser adventista?” Ao refletir sobre o significado do adventismo, Knight
chega à conclusão de que “há certo nível de conforto em ´brincar de igreja´”
(p. 9). Para ele, “se o adventismo perder sua visão apocalíptica, perderá a
razão de sua existência como igreja e como sistema educacional” (p. 11). Os
adventistas podem ser adventistas adventistas (exclusivamente preocupados com
as questiúnculas doutrinárias de sua denominação), cristãos cristãos
(esforçando-se para serem vistos como mais uma denominação evangélica) e
adventistas cristãos (fiéis à sua herança adventista e, ainda assim, felizes
por sua herança evangélica). É a pertinência ao terceiro grupo que Knight
recomenda. Como “Jesus de Nazaré não foi politicamente correto em Suas
declarações” (p. 14), o autor tem dificuldades em compreender o esforço de
muitos adventistas para serem culturalmente compatíveis com a época em que
vivem. Ele lamenta que tenhamos perdido “a arrogância santificada que, no
passado, nos levou a crer que possuíamos uma mensagem que o mundo inteiro tinha
que ouvir” (p. 16). Por isso, Knight compara os adventistas ao colportor Walter
Harper que, para se livrar das tentações sexuais, praticou a autocastração. O
autor nos lembra que “as pessoas estão em busca de uma igreja que esteja acima
da cultura, que seja arrogante o suficiente para crer que há erro e verdade, e
que ela possui a verdade” (p. 20). Segundo ele, “o atalho para a irrelevância é
a mera relevância” (p. 20). Afirma, ainda, que há três maneiras de a igreja
adventista praticar a autocastração: dando ênfase às bestas do Apocalipse,
deixando de pregar a mensagem do Cordeiro e menosprezando a questão da ira de
Deus. Os adventistas não podem menosprezar nem o medo e nem o pecado, pois “o
Apocalipse é o julgamento da mentalidade pós-moderna” (p. 27).
O capítulo 2 (“A visão apocalíptica, p. 29-52) abre com a declaração de que “se
temos apenas o Cordeiro, possuímos apenas metade do evangelho. Obviamente, se
temos apenas as bestas, não há evangelho nenhum” (p. 29). Este capítulo
apresenta o cenário profético dos livros de Daniel e Apocalipse, bem como o
papel de Guilherme Miller no surgimento do movimento adventista. Para o autor,
“22 de outubro foi, na verdade, o dia da grande expectativa” (p. 38) e não o
dia do grande desapontamento. Graças àquela experiência, os adventistas
desenvolveram a doutrina do santuário celestial (por meio de O. R. L. Crosier,
G. W. Peavey e E. C. Clemens), compreenderam a verdade sobre a guarda do sábado
(com J. Bates), entenderam a dinâmica do grande conflito (com J. Bates e E. G.
White) e aceitaram a comissão de pregar as três mensagens angélicas (com J.
Bates). Knight aproveita a oportunidade para esclarecer que “Bates desenvolveu
a teologia do grande conflito com base na Palavra de Deus, sem o benefício do
dom profético de Ellen White” (p. 45). A seguir, o autor trata do importante
debate de 1888, considerando-o o resultado do espírito belicoso que se
desenvolveu por causa do método excessivamente apologético adotado nos
primeiros 40 anos da história da igreja. De um lado, havia a posição legalista
de T. White e J. N. Andrews; do outro, a interpretação com ênfase na
justificação, proposta por A. T. Jones e E. J. Waggoner. A divergência só foi
resolvida após o pronunciamento de E. White, causando uma espécie de rebatismo
da igreja adventista (p. 48). Focados em Ap 14:12, os adventistas montaram o
quebra-cabeças: a espera de Jesus pressupõe a guarda dos mandamentos e o
desenvolvimento de um relacionamento pessoal com Jesus.
Na abertura do capítulo 3 (“A relevância do adventismo”, p. 53-81), Knight
declara que “a maioria das batalhas teológicas é travada entre os ramos e as
folhas” da árvore teológica. O autor está assim se preparando para desferir
seus golpes contra os pregadores adventistas que querem, de alguma forma,
alterar o teor da mensagem adventista a fim de torná-la mais relevante e,
portanto, mais palatável aos ouvintes. Para ele, “a maior ameaça ao adventismo
atual é perder sua compreensão da visão apocalíptica responsável por nos tornar
um povo singular e vital” (p. 55). Segundo ele, não podemos nos esquecer das
bestas por duas razões: (i) a Bíblia está cheia delas e (ii) o mundo está cheio
delas. O pior é que “a jornada espiritual é como engatinhar num funil do fim
para o início” (p. 60). Além disso, infelizmente, corremos o risco de ser
lamentavelmente arrogantes (a ponto de nos considerar os donos da verdade) ou
de ser elegantes demais (para afirmar qualquer coisa além de nossas dúvidas),
pois “a Igreja Adventista hoje possui os ministros e membros leigos mais cultos
e instruídos de sua história” (p. 60). Para Knight, porém, “o adventismo tem
apenas um problema teológico real: Jesus ainda não voltou” (p. 60). Dito isso,
o autor salta para uma breve apresentação dos diferentes sistemas de
interpretação profética: o preterismo (defendido pela maioria dos teólogos), o
historicismo adventista (dependente do princípio de que um dia profético equivale
a um ano cronológico e, às vezes, acusado de eurocêntrico) e o futurismo (com a
incoerente interpretação de que a purificação do templo, em Daniel, é um evento
passado). A seguir, Knight aborda a questão das quatro doutrinas adventistas
consideradas polêmicas pelos não adventistas e por um número crescente de
teólogos adventistas: (i) o juízo investigativo; (ii) o santuário celestial;
(iii) o grande conflito e (iv) o remanescente. Falando do juízo investigativo,
uma de nossas doutrinas mais contestadas pelos próprios teólogos adventistas,
chega à conclusão de que o problema não está com a fundamentação bíblica dessa
doutrina, mas na forma intimidadora como ela tem sido apresentada por nossos
pregadores. Falando do santuário celestial, reconhece quatro defeitos da
pregação adventista sobre essa doutrina: (i) nossa atenção excessiva aos
detalhes; (ii) nossa reversão de polaridades, fazendo com que o santuário
celestial se torne o reflexo do terrestre; (iii) nossa negligência da dimensão
alegórica (grego parabolê) do santuário; e (iv) a “adventização” do livro de
Hebreus. Sua opinião é de que “estamos, sem dúvida, sobre terreno sólido no que
diz respeito à nossa doutrina do santuário, mas não com relação à maneira como
alguns a ensinam” (p. 77). Ao tratar do tema do grande conflito, apresenta as
duas certezas adventistas sobre o assunto: (i) o dia não é a questão central
(mas a lealdade e a adoração) e (ii) essa doutrina encontra-se fundamentada na
Bíblia e não (apenas) em E. White. Finalmente, em relação ao remanescente,
Knight reconhece que a igreja adventista não é perfeita, mas é a mais próxima
da verdade bíblica que conhece.
O capítulo 4 (“Cenário de crise”, p. 82-91) abre com as evidências de que nossa
época está experimentando uma descontinuidade radical: (i) a queda do muro de
Berlim; (ii) a decadência do comunismo; (iii) o ataque terrorista a Nova
Iorque; e (iv) a ascensão da China. Para o autor, há três indícios de que
estamos perto da consumação escatológica: (i) a implantação de “uma ética de
naufrágio”, segundo a qual, “se comermos juntos hoje, todos passaremos fome
amanhã” (p. 84); (ii) as três correções do clube de Roma (de que os direitos
humanos não são apenas relativos às liberdades individuais, de que os direitos
humanos são uma questão política, e de que os padrões dos direitos humanos não
se aplicam apenas aos outros; e (iii) as manchetes de jornais (que apontam para
novos estilos de guerra e um estado de inquietação geral). Depois de sugerir
três de seus livros favoritos sobre escatologia, Knight propõe a tese de
Michael Barkum de que o pensamento direto chegou ao fim, pois as crises causam
mudanças rápidas. De acordo com a metáfora de Sherlock Holmes, roubaram a
barraca adventista e nós continuamos deitados, contemplando as estrelas! O
autor conclui este curto capítulo relembrando a visão de um caminho reto,
estreito e iluminado, que E. White registrou em Primeiros escritos: quando
rejeitamos uma luz, ela é tirada de nós. Ao tratar dos temas da fome mundial e
da violação dos direitos individuais em nome da coletividade, Knight prepara o
terreno para abordar a questão que realmente o incomoda: o fato de que alguns
pregadores adventistas estão mudando o teor da mensagem adventista para que
esta se enquadre nas expectativas pós-modernas de um evangelho social e
tolerante às diferenças. Isso ele fará no capítulo 5.
O capítulo 5 (“Expectativa equilibrada”, p. 92-104) é o menos original do
livro. O capítulo repete vários dos argumentos apresentados por Steve Daily, em
seu livro Adventism for a new generation (“Adventismo para uma nova geração”).
Aliás, parece que o objetivo (nunca declarado) de Knight é justamente prover
uma resposta àquele livro (publicado em 1992). Knight já afirmara, no capítulo
3, que o sábado não é a questão central dos últimos dias (mas a lealdade e a
adoração), uma frase literalmente tirada do livro de Daily (p. 172). Agora, faz
uma análise muito semelhante à de Daily com respeito às parábolas escatológicas
situadas perto de Mt 24. No entanto, suas conclusões não são as mesmas. Enquanto
Daily defende que a igreja adventista precisa se envolver mais com o evangelho
social (p. 317-323), para Knight, existem, no Novo Testamento, dois textos
apocalípticos de interesse especial para os adventistas: Mt 24 (e capítulos
correspondentes nos demais evangelhos sinóticos) e o livro de Apocalipse. No
primeiro caso, há uma ênfase social (cuidar do próximo); no segundo, uma ênfase
proclamatória (anunciar as três mensagens angélicas). Para Knight, a busca de
relevância tem levado certos pregadores adventistas (presumivelmente Daily) a
enfatizar o apocalipse social (sinótico) em detrimento do apocalipse
escatológico. A partir daí, Knight retoma seu fio original de pensamento,
apresentando três razões por que a igreja adventista não pode se envolver excessivamente
com um evangelho social: (i) Jesus recusou o assistencialismo como base de sua
pregação; (ii) foi o próprio Jesus que comissionou a pregação das três
mensagens angélicas; e (iii) E. White explicitamente orientou a igreja que não
sucumbisse à prática de um evangelismo essencialmente social. Infelizmente,
Knight só apresenta a citação do manuscrito 3 (1889), o que não nos permite
avaliar, conclusivamente, o peso do pensamento de E. White sobre o assunto. As
conclusões de Knight são (i) que os dois apocalipses são complementares e não
excludentes (p. 102); (ii) que a única solução para a fome e outros problemas
do mundo é a volta de Jesus; e (iii) que nossa pregação precisa prescindir da
ênfase no temor do tempo do fim.
O capítulo 6 (“A esperança do mundo”, p. 105-108) é lamentavelmente curto,
quase que apenas “um prefácio tardio”, como o próprio autor reconhece.
Esperava-se que, depois de nos mostrar em que estamos errando em nossa pregação
escatológica, o autor nos pudesse dar sugestões específicas de como melhorá-la.
Ele se limita, porém, a propor que a visão neoapocalíptica (i) seja uma
mensagem de esperança; (ii) não seja alarmista; (iii) tenha por foco o futuro;
e (iv) enalteça a perspectiva (ou herança) adventista. Resta-nos descobrir, por
nós mesmos, como conseguir implementar essas recomendações, na prática, em
nossos púlpitos. O livro é, sem dúvida, uma contribuição importante para o
aspecto proclamatório da escatologia adventista. O ideal, como o próprio autor
reconhece, é lançar mão das duas perspectivas: precisamos pregar que o fim se
aproxima e, enquanto fazemos isso, precisamos cuidar daqueles que padecem neste
mundo provisório.
BARKUM, Michael. Disasters and the millennium. New Haven: Yale University Press, 1974.
DAILY, Steve. Adventism for a new generation. Portland: Better Living, 1992.
WHITE, Ellen G. Primeiros escritos. Tatuí, SP; CPB, 2007.
BARKUM, Michael. Disasters and the millennium. New Haven: Yale University Press, 1974.
DAILY, Steve. Adventism for a new generation. Portland: Better Living, 1992.
WHITE, Ellen G. Primeiros escritos. Tatuí, SP; CPB, 2007.
Do blog: http://miltntorres.multiply.com
olÁ. ENTÃO, ESSE LIVRO DE KNIGTHT É MUITO LEGAL. MUITO BOM MESMO. AMEI LER E RELER ELE. DUAS COISAS APRENDI COM ESSE LIVRO, (1) NUNCA DEIXAR DE LADO AS PROFECIAS,POIS ESSA É A NOSSA IDENTIDADE, (2) NUNCA ESTUDAR AS PROFECIAS DEIXANDO DE LADO O CENTRO DELA, A SABER, JESUS CRISTO!
ResponderExcluirVALEU PASTOR. AMO LER. LEIO MUITO E NO ANO PASSADO EU FIQUEI PROCURANDO BLOGS DE ADVENTISTAS QUE FAZIAM RESENHAS DE LIVROS, MAS NÃO ACHEI NENHUM. PORQUE É BOM SEMPRE LER UMA RESENHA ANTES DE COMPRAR UM LIVRO, OU APÓS LER UM.
COMO NÃO ACHEI NENHUM BLOG ASSIM, ESTOU CRIANDO UM.