Header Ads

Pátria Minha - Poema aos Patriotas

Foto: Vinícius de Moraes

Nestes últimos dias, como brasileiro que a algum tempo vivia em desgosto com seu país, foi glorioso para mim ver o espírito patriótico sendo revigorado no meio de nosso povo. Li colunas de jornais, naveguei por sites especializados, folheei revistas, falei coisas, escrevi poesias, bloguei, briguei, li e ouvi ideias interessantes. Mas muito mais ainda: li e ouvi besteiras sem tamanho acerca do momento político do Brasil. Ainda temos brasileiros que não acordaram para o confronto com a mentira travestida de Democracia, que se instaurou no país. E teve até quem se escondia por trás de privilégios (a velha Bolsa Família, empregos públicos, etc...) para mascarar sua covardia. Outros, temiam se envolver no mérito da questão, com receio de desagradar a Deus. Como condená-los? Todavia, os profetas e os grandes homens como Martin Luther King não se calaram diante da injustiça de seus dias.

Mas teve por outro lado, a grande massa do povo, em defesa dos novos tempos para o Brasil. Nas ruas ou nos blogs, bem como nas redes sociais, o recado continua sendo dado, a fim de despertar os líderes da nação para um tempo de justiça e verdade para o povo.

Ainda que do escritório, sinto-me como parte da massa, e por isso, com paixão e equilíbrio, busco rimar a política com a religião.

Aliás, para quem não sabe, a arte, especialmente a poesia tem estado na vanguarda de todos os períodos revolucionários da história. Como dizia o célebre poeta Francisco de Carvalho:

"Os esplendores da era tecnológica têm conseguido ofuscar e obscurecer a pregação silenciosa dos poetas, sobretudo a partir da segunda metade deste século [XX], quando extraordinárias descobertas científicas fizeram com que o homem, colocado no limiar da solidão e da perplexidade, refletisse mais profundamente sobre a tragédia de seu próprio destino. Mas a poesia, Beatriz de olhos cinzentos, acaba por triunfar sobre os destroços comovidos do eterno naufrágio das eventualidades humanas". (Francisco Carvalho, in: Quadrante Solar- Poesia. Prêmio Bienal Nestlê de Literatura Brasileira, 1982. Ver:  Depoimento do autor na orelha do livro, pag. 2).

Tive desejo de escrever algo de cunho político, mas desisti. Arrisquei um poema. Tive sucesso na intenção, mas falhei na exposição. Deu que tive de reescrevê-lo pelo menos dez vezes (leia aqui)!

Vasculhando o tema na internet, dei de encontro com uma das mais belas composições de Vinícius de Moraes, um dos maiores vultos de nossa literatura poética, que se originou da segunda geração modernista, na década de 30'. Refiro-me ao poema "Pátria Minha". Interessante que o poema foi impresso pela primeira vez em 1949 em uma edição de apenas 50 exemplares, publicada por João Cabral de Mello Neto, em sua imprensa manual, que trazia o sêlo "livro inconsútil" (= livro sem costura). Nesse tempo, João Cabral morava em Barcelona e Vinícius, nos EUA, servindo ao Itamaraty como diplomata.  É tocante a maneira como o poeta externa sua solidão, quando longe de sua pátria, descrita por ele de um nodo que também se adequam à realidade de nosso povo, ainda em nossos dias:

"minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!"

Mas também o ideal libertário descrito nas linhas do poema se mostra em toda força: 

"Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!"

E na mesma fala dos primeiros a impor o ideal da liberdade em Minas, com Vinícius eu repito. Repito a fala dos inconfidentes, retratada e erguida em nossos mastros, beijada pelos ventos de um tempo que não tarda. E para colaborar com o espírito patriótico de nossos dias, dou aos que gostam de poesias este que para mim é um dos mais belos da lavra de Vinícius. Desde o momento em que o li, por volta de 1990, esta bela composição jamais me saiu da lembrança. É com o sentimento à flor da pele que o poema foi escrito. Do mesmo modo, o li. E espero que assim seja lido também. - Claudio S. Sampaio.


Obs: Convém dizer, que antes de tudo, que não apoio, não concordo e até abomino as práticas dos Black Bloc. E a minha visão religiosa acerca do atual momento político do Brasil está expressado no ensaio:

O Regresso da Teologia da Libertação - Uma Resposta?

Mas por ora, vamos ao poema

.................................

Pátria Minha 

Vinícius de Moraes


A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes."

............

Em vídeo

na voz de  Vinícius mesmo




.....................................

diponível para compilação, desde que a fonte seja citada

Nenhum comentário

Sua opinião é importante para mim. O que você pode acrescentar? Entretanto, observe:

1. Os comentários devem ser de acordo com o assunto do post.
2. Avalie, pergunte, elogie ou critique. Mas respeite a ética cristã: sem ataques pessoais, ofensas e palavrões.
3. Comentários anônimos não serão publicados. Crie algum nome de improviso para assinar o escrito, caso não queira se identificar.
4. Links de promoção de empresas e sites serão deletados.
5. Talvez seu comentário não seja respondido imediatamente
6. Obrigado pela participação.