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O Vale da Visão: Uma Oração Puritana e o Paradoxo de Cristo.


Há certas orações escritas em forma de poesia que nada perdem em  beleza e espiritualidade, se comparadas com os Salmos bíblicos. A oração de Francisco de Assis, por exemplo, tão rica de sentido e tão bela em sua simplicidade, talvez só perca para a Oração do Senhor, o Pai Nosso, dada a grandeza de sentimentos e nobres propósitos que inspira em cada cristão que dela faz uso em suas leituras e meditações.

Tratando especificamente da oração de Francisco, é perceptível a riqueza dos paradoxos no texto, quando o orante roga que Deus o faça um "instrumento de Vossa paz", pedindo que onde haja ódio, guerra, tristeza, etc.. que ele leve amor, paz, alegria, concluindo com a firmação de que "é dando que se recebe e é morrendo que se nasce para a vida eterna."

Apesar de sua antiguidade, a oração de Francisco nunca envelhece, e sua atualidade se justifica pelo fato de que ela está bem ajustada à verdade mais pura do evangelho. Quem lê de forma atenta os relatos dos evangelhos canônicos, percebe que em diversos momentos, Jesus se preocupa em afirmar que o Seu caminho  não se adequa aos padrões dessa vida, de modo que viver a realidade do Reino, na perspectiva de Cristo, é viver na "contramão" desse mundo, é estar no mundo mas negar-se a ele, ao mesmo tempo. O erudito John Stott, em uma de suas obras definiu o Sermão do Monte de Mateus capítulo 5-7 como a síntese do chamado de Cristo ao discípulo para o Reino como uma contracultura. 

De fato, em Seus discursos, Jesus, na verdade subverte os padrões desse mundo, e desde a sua chegada, pelo Seu testemunho de vida exemplificou essa verdade. Ele se dizia ser o maior, mas se portava como o menor. Era o Senhor, mas era aquele que servia. Falou de grandeza como uma vida de serviço, de ser menor para ser maior, de dar a vida para ganhá-la, da necessidade do discípulo negar-se a si mesmo para encontrar sua identidade nEle. De fato, Jesus foi um exemplo vivo de que a realidade do Reino de Deus é uma inversão dos valores profanos deste mundo. E ser discípulo dEle, é viver esse paradoxo. Talvez por isso, Paulo também usasse de paradoxos ao falar de sua experiências: Ele dizia que se regozijava nas fraquezas, pois quando fraco, estava forte, e que morria a cada dia para que o seu viver na carne fosse de Cristo. 

Saindo da oração de Francisco e dos discursos de Cristo, chego a um belo poema em forma de oração (ou seria uma oração em forma de poema?) oriundo da piedade puritana. A riqueza da linguagem encontra eco em Francisco e até mesmo em Jesus e Paulo. Trata-se de uma oração extraída do livro "The Valley of Vision: A Collection of Puritan Prayers and Devotions".


Como o  próprio título diz, a obra é uma coletânea de orações de devoções puritanas. Ao contrário da perversão do sentido de seu nome na atualidade, os puritanos eram conhecidos como pessoas radicais em seu seguimento de Jesus, e por todos os meios buscavam negar a interferência de seus interesses terrenas em sua busca pela bem bem-aventurança eterna. Eram conhecidos pela busca da integridade da doutrina e pela fidelidade às Escrituras. Tiveram como seu precursor a figura do grande Reformador inglês J. Wiclif e dos Lolardos. Produziram grande quantidade de material teológico, sendo os responsáveis pela famosa Confissão de Westminster, que foi e continua sendo a base da confissão de fé das igrejas Batista e Presbiteriana Reformadas. Homens como Charles H. Spurgeon e M. LLoyd Jones são considerados figuras representativas desse grande movimento cristão.

A beleza da teologia dos puritanos residia na busca de uma piedade prática, que sobrepujasse os meros discursos religiosos. Viviam de forma simples e reclusa e condenavam a baixa moralidade e os vícios de seu tempo. Talvez por isso, seu nome na atualidade esteja ligado ao sentido de "moralista". Mas na verdade, eles não eram isso. Eram apenas homens fiéis que conviviam com seus conflitos interiores em sua busca de uma vida santificada. Eram, como Jesus, insatisfeitos com a realidade desse mundo. Viviam de fato, o paradoxo do "viver" e "morrer" em Cristo. E este é o tema do poema citado.

O poema é parte desse livro e foi editado por Arthur Bennett, que exerceu a função de Tutor da Catedral de St. Albans, e também de Reitor de Little Munden e Sacombe, Hertfordshire, e foi por 17 anos um professor de Teologia Bíblica e Doutrina Cristã no All Nations Christian College . Ele morreu em outubro de 1994 aos 79 anos. 

Vamos, pois ao poema (ou oração), que em tudo se relaciona com o paradoxo cristão do "viver e morrer", o chamado de Cristo para a vida de auto-negação. A tradução é minha, mas segue abaixo o texto original:

O Vale da Visão

Senhor, alto e santo , manso e humilde,
Tu me trouxeste para o vale da visão;
onde eu vivo nas profundezas , mas vejo-te nas alturas;
cercado por montanhas de pecado, eu contemplo
Tua glória.

Deixe-me aprender pelo paradoxo
que o caminho para baixo é o caminho para cima,
que estar rebaixado é estar elevado
que o coração quebrantado é o coração curado,
que o espírito contrito é o espírito de alegria,
que a alma arrependida é a alma vitoriosa ,
que não ter nada é possuir tudo,
que, carregar a cruz é usar a coroa,
que dar é receber ,
que o vale é o lugar da visão.

Senhor , as estrelas diurnas podem ser vistas a partir dos poços mais profundos.
E quanto mais profundo o poço,
mais forte é o fulgor
de Tuas estrelas brilhantes.

Deixe-me encontrar a Tua luz na minha escuridão,
Tua vida em minha morte,
Tua alegria em minha tristeza ,
Tua graça no meu pecado,
Tuas riquezas na minha pobreza
Tua glória no meu vale.

The Valley of Vision

Lord, high and holy, meek and lowly,
Thou has brought me to the valley of vision,
where I live in the depths but see thee in the heights;
hemmed in by mountains of sin I behold
Thy glory.

Let me learn by paradox
that the way down is the way up,
that to be low is to be high,
that the broken heart is the healed heart,
that the contrite spirit is the rejoicing spirit,
that the repenting soul is the victorious soul,
that to have nothing is to possess all,
that to bear the cross is to wear the crown,
that to give is to receive,
that the valley is the place of vision.

Lord, in the daytime stars can be seen from deepest wells,
deepest wells,
and the deeper the wells the brighter
Thy stars shine;

Let me find Thy light in my darkness,
Thy life in my death,
Thy joy in my sorrow,
Thy grace in my sin,
Thy riches in my poverty
Thy glory in my valley.

Encontre o livro: http://www.wtsbooks.com

Nota: li esta poesia pela primeira vez no Blog da Norma Braga. fica meu reconhecimento. 

[Claudio Soares Sampaio]


http://pastorclaudiosampaio.blogspot.com 
diponível para compilação, desde que a fonte seja citada

Um comentário:

  1. Josias mourão oliveiramarço 18, 2023

    Li,e estou radiante com o material escrito,não tinha noção deste conteudo espiritual.parabéns gosto de conhecer e aprender mesmo com idade avançada não abrirei mão de um dia ser um teologo.obrigado.21968078995.um fote abraço paz em Cristo Jesus!!!

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