A tela nomeada como "A Última Ceia" é reconhecida como uma das mais belas obras de Leonardo Da Vinci. O belo quadro foi encomendado por Ludovico Sforza, duque de Milão, e seu propósito era decorar o refeitório do monastério de Santa Maria delle Grazie, local que que ele pretendia transformar em mausoléu para a família.
Embora seja bem conhecida no ambiente acadêmico esta obra se tornou interesse geral pelas discussões atuais em torno da obra fictícia "O Código Da Vinci", do autor Dan Brown. E conquanto alguns definam a pintura de Da Vinci como uma das mais belas acerca do tema, ainda prefiro a vivacidade de Tintoreto, que a meu ver, foi aquele que soube de forma mais genial, captar o espírito daquela trágica noite em que Jesus foi traído. (aqui).
I
Mas voltando à "Última Ceia" de DaVinci, consta que foi pintada entre os anos de 1494-1498, com base no evangelho de João capítulo 13, onde há o momento em que Jesus anuncia a traição de seus discípulos. A tela buscava captar uma movimentação de personagens como se estivessem sacudidos pela declaração de Jesus, ao contrário de outros quadros anteriores, que retratavam figuras imóveis, com Judas à parte do grupo de discípulos. Da Vinci, ao contrário dos artistas anteriores, pinta Judas como sendo parte do grupo, como se propusesse que o traidor não era uma figura suspeita entre os demais, ou que não sofria a rejeição de Jesus Cristo. A reação das imagens no quadro, segundo Da Vinci, deveria corresponder à personalidade de cada um dos Apóstolos sentados à mesa.
Embora perfeito nos seus traços, a tela, em parte, não corresponde aos fatos, se revisada com o crivo da Arqueologia. De acordo com estudiosos, como o autor Kenneth E. Bailey, confirma em sua obra "As Parábolas de Lucas", ao explicar uma parábola envolvendo uma ceia no evangelho, naqueles idos não era comum o uso de mesas com cadeira, para as ceias e banquetes, entre os judeus. Em geral, os convivas se declinavam em decúbito, muitas vezes, apoiando um antebraço chão, enquanto se serviam. Talvez assim se explique o por quê de João se reclinar sobre o peito de Jesus, a fim de indagar sobre a identidade do traidor (cf. Jo 13:24-25). Nesse ponto, talvez a gravura acima represente melhor a realidade histórica da Ceia, nos moldes em que era praticada.
II
Pelo que se sabe, não foi um empreendimento fácil preservar a "Última Ceia", nos seus mais de 500 anos. Alguns problemas remontam desde o processo de composição, pelo fato do próprio Da Vinci optar por não usar a técnica do afresco. Para experimentar, o pintor a desenvolveu como se fosse um quadro e usou a técnica a seco, com uma tinta oleosa. Já no final do trabalho, em 1498, Da Vinci já observava as primeiras rachaduras no canto da obra. O fato de a parede ser a do lado Norte do convento, mais exposta a umidade, e confinar com a cozinha dos padres, não ajudou no processo de conservação.
Analistas encontraram evidências de pelo menos sete camadas dos mais variados materiais das intervenções na tela, incluindo cola. Em uma dessas intervenções na obra, os artistas encontraram na cabeça de Jesus um prego, usado possivelmente para marcar o ponto de fuga utilizado por Da Vinci para compor a perspectiva perfeita da obra.
Durante o ano de 1943, sob os bombardeios da Segunda Guerra Mundial, o complexo de Santa Maria delle Grazie foi quase que completamente destruído. Mas embora as paredes laterais do refeitório onde a tela estava exposta não resistissem, a "Última Ceia", protegida por alguns sacos de areia, ficou em pé. Na época da reconstrução no período pós-guerra a obra teria ficado exposta ao sol, ao vento e a chuva por longo tempo, com risco de danos sérios ou mesmo de perda total e irreparável.
Alguns dizem que a obra que vemos hoje não pode ser considerada a mesma pintada por Da Vinci, depois de anos de estragos e reparações. E é bem possível que tenham razão. O que temos é resultado de uma restauração que durou cerca de 20 anos (1979-1999) e que teve como principal objetivo recuperar apenas o que poderia ser definido como "recuperável".
III
Bem anterior a Dan Brown, muitas lendas são contadas em torno da pintura. Uma delas relata que ao conceber a “A última Ceia”, Da Vinci teria se deparado com uma ideia, que ao mesmo tempo, se transformou em dificuldade: Idealizou que na tela deveria representar a face do Bem na imagem de Jesus e o Mal na face de Judas Iscariotes, o discípulo traidor. De modo que passou muitos dias caminhando pelas ruas de Milão, em busca de modelos para os personagens.
Conta-se que certo dia, enquanto assistia um coral, viu que um dos rapazes que cantavam trazia todos os elementos que se adequavam a representação de Cristo. Fascinado, Da Vinci convidou-o para o seu ateliê, registrou seus traços em estudos e esboços para usos futuros. Depois da paga-lo, Da Vinci o elogiou pela sua beleza e lhe mostro a tela na qual ele seria a representação do Bem, na pessoa de Jesus.
Passaram-se três anos.
A “Última Ceia” já estava exposta em uma das igrejas mais conhecidas da cidade, estava quase pronta. Contudo, a busca de Da Vinci pelo modelo ideal para representação do Mal na figura de Judas ainda não tinha sido encontrado. Sob pressões da igreja, Da Vinci se viu obrigado a reiniciar com mais afinco sua busca.
Após alguns dias frustrantes, houve o encontro. Caminhando pelas vielas do subúrbio de Milão, encontrou um moço ainda jovem, marcado pelos rigores de uma vida ferida pelos vícios, esfarrapado, bêbado, atirado na sarjeta. Sem tempo para desenvolver esboços e estudos, Da Vinci pediu que o levassem até a igreja onde se encontrava a tela, onde o rapaz foi detido pelos assistentes do pintor, enquanto este finalizava a obra. E através do rosto do mendigo, Da Vinci buscava captar as linhas da impiedade, do pecado, da dor e da morte que o Mal desenhara em sua face.
Ao findar o trabalho e se prontificar a acertar os valores devidos, Da Vinci encontrou o jovem já restaurado da bebedeira e com o olhar ferido pela tristeza, enquanto fitava o quadro a sua frente.
– Eu já vi este quadro antes! – disse, com um ar de surpresa mesclada com tristeza.
– Quando? – Da Vinci perguntou, mais surpreso ainda.
– Isso foi há uns três anos, antes de eu perder tudo que tinha e ficar aprisionado pelos vícios. Naquele tempo eu cantava em um coro, e um artista me convidou para posar como modelo para a face de Jesus.
IV
Talvez esta história revele qual seria a melhor perspectiva para um cristão observar a "Ultima Ceia". Nela, o Mal e o Bem podem ser melhor compreendidos em sua essência. Segundo o evangelho, em meio ao tumulto causado pelos Apóstolos, disputando entre eles acerca de quem era o maior, Jesus é quem reúne seus seguidores em Sua mesa. Nela, o Supremo Bem se derrama mesmo em favor do traidor. De outra parte, a maldade humana também revela sua face verdadeira na ignorância, egoísmo e maldade dos homens. Somente um Mestre amoroso e terno como Cristo seria capaz de superar a barreira da maldade e egoísmo humano e se dispor a dar-se, em toda a sua grandeza, para manifestação de seu amor, para a Sua glória e para o erguimento dos homens. - ( Cláudio Sampaio), maio 2014.
Apêndice:
1. Foto da parede onde a tela se encontrava debaixo da lona, ao fundo, durante o período da reconstrução, no pós-guerra.
2. Contraste entre uma pintura costumeira na qual Judas era excluído e a de Da Vinci.
3. Meu preferido:
Tintoreto retrata a malignidade dos homens e a desunião entre eles. O papel apaziguador de Jesus a hipocrisia de Judas, à parte.
Gostei muito da parte historica e tambem da observação quanto ao ponto de fuga ser em Jesus. Creio que Davinci imaginou como ele sendo o inicio e o fim. já que o ponto de fuga determina o horizonte. Adorei a explanação e concordo com voce que tintoretto exprimiu muito mais emoção. Mas o Léo trouxe ciencia junto com a arte e fé... esse é o algo a mais do renascentismo. VAleu pastor.
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