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The Ballad of Buster Scruggs: irmãos Coen demonstram beleza no sofrimento


Dia de folga, acabo de assistir The Ballard of Buster Scruggs (2018) pela Netflix. Sabendo de antemão que se tratava de uma produção dirigida pelos irmãos Coen, já fui com expectativas bem elevadas. Os Coen são reconhecidos por sua capacidade de explorar temas complexos e reflexivos, sempre no limiar do absurdo. A expectativa não decepcionou. Como sempre, niilismo, ceticismo, determinismo, e especialmente a inevitabilidade da morte estão presentes em toda a narrativa, e tudo suavizado por uma aura de beleza surpreendente.

O longa estrelado por Tim Blake Nelson, Liam Neeson, James Franco, Zoe Kazan, Tyne Daly e Tom Waits tem 2h10 de duração e é, sem dúvidas, um filme arrebatador. Fugindo da velha fórmula maniqueísta do "herói versus vilão", os Coen estabelecem o mesmo padrão de Onde os Fracos não Têm Vez (2008), que lhes rendeu quatro Oscars. É visível que naquele, a violência e a morte ocorrem sem justificativa plausível, em todos os momentos nos quais os personagens se vêm inseridos, gerando um clima de fatalidade e ceticismo profundo. A brutalidade, a dor e a morte parecem inevitáveis. Em se tratando do filme em questão, diria que em The Ballad of Buster Scruggs este ceticismo se apresenta de forma bem mais acentuada. 

Não se trata de uma única trama. São seis histórias independentes, embora unidas na mesma temática. O Oeste selvagem é representado nas figuras do pistoleiro, do salteador, do garimpeiro, do guia, da frágil senhorita, do saltimbanco, do viajante. Até elementos da mitologia são incorporados para explorar diversos conceitos. A exemplo, um niilismo profundo se apresenta de forma palpável na história romântica entre um Guia e uma Srta em marcha nas pradarias. Embora ambos se apresentem como praticantes de uma religião transcendental, e muito esforço seja dispendido para minorar as situações conflitantes, nada impede que a fatalidade os atinja. Há em tudo um determinismo? Não há como fugir do "destino" ou da morte?

No entanto, embora todo o filme esteja mergulhado num clima de morte, nada se apresenta em sobressalto. Há uma estética muito bem arquitetada, que trás uma leveza em toda a sequência. Em diversas situações, a morte é acolhida com certa resignação. E o humor negro, frequente na obra dos Coen suavizam os elementos absurdos introduzidos em determinadas situações, como a de um enforcamento ou de um duelo, visto logo no início. Há beleza no sofrimento.

Como se pode ver, embora aparentemente se trate de um simples Western, diversas temáticas são introduzidas. Em todas as narrativas, os Coen quebram o mito do "sonho americano" na colonização do Oeste. Os sonhos, as aspirações e mesmo as relações são confrontadas pela dor e pela constante realidade da morte. Há, inclusive, uma crítica direta à indústria do entretenimento e da arte, numa história que muito explica o modo como apenas a busca do lucro imediato e superficialidade dos gostos são a justificativa para sua decadência progressiva. Noutra, trata acerca dos males da ganância e seus efeitos sobre o meio e as relações.  Talvez a história final discuta de forma emblemática a questão fundamental de todo o filme: o mal nos chega a todos igualmente apenas porque no fundo, não somos em nada diferentes, no mundo? Seríamos meramente como animais, os "furões"?

Nessa discussão ocorrida no escuro ambiente de uma carruagem em movimento, o que se propõe é que os eventos ou as escolhas feitas não podem ser de todo compreendidas, pois não têm nenhuma lógica concreta para explica-las ou padrões morais definitivos para medi-los. São fatalidades que fogem ao escrutínio do observador mais atento. No fim, ao que parece, a proposta apresentada é que tudo reside no "acaso", que gera a fatalidade e faz com que todos cheguemos juntos a um só lugar. O mistério daquilo que nos aguarda, o enigma do futuro é que gera o medo.

Concluindo, são seis histórias dramáticas, carregadas de sofrimento, morte e beleza. Embora os eventos causem espanto, há uma certa leveza e nalguns momentos, é possível rir diante do absurdo. Aliás, penso que somente essa beleza proposital apresentada seria capaz de atenuar a dor oculta por detrás de cada história. Personagens bem definidos, figurino perfeito, fotografia deslumbrante, diálogos criativos e uma surpresa a cada história. Penso que ao lado de Godless (série), The Ballad of Buster Scruggs já pode ser figurado na lista dos melhores filmes do gênero. Todos os ingredientes para um clássico.

Ótimo para refletir sobre valores, filosofia, religiosidade e a crueza da realidade.

Recomendo.

Um comentário:

  1. Também gostei muito deste filme, pastor. Já viu Setembro Negro, sobre um fato tétrico da história do Mormonismo? Excelente também. Disponível no Youtube.

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