Vou mostrar-lhe o quanto ele deve sofrer em meu nome." — Livro de Atos 9:16
Na iconografia cristã, Paulo é frequentemente representado com um livro — símbolo do evangelho que anunciava — e uma espada, que alude tanto ao instrumento de seu martírio quanto à sua trajetória anterior como perseguidor implacável. Essa justaposição visual comunica a tensão que atravessa sua vida: foi escolhido como mensageiro do Reino, mas carregava em sua história o peso de ter, um dia, recorrido à força como expressão de zelo religioso.
No livro Paulo, Uma Biografia, o teólogo N. T. Wright estabelece um paralelo entre a ira violenta de Saulo de Tarso e um evento significativo da história recente: o assassinato de Yitzhak Rabin, então primeiro-ministro de Israel, em novembro de 1995.
Rabin se tornou um símbolo da paz ao liderar os Acordos de Oslo — tratados históricos firmados com a liderança palestina — e, por isso, foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 1994, ao lado de Shimon Peres e Yasser Arafat. Além disso, Rabin assinou um tratado de paz com a Jordânia, sendo um pacifista declarado por natureza e ação.
No entanto, essa busca pela paz foi interpretada por setores mais extremistas como uma traição. Para pessoas como Yigal Amir, um estudante de direito e fervoroso religioso, as ações de Rabin representavam uma ameaça à identidade judaica e à segurança nacional. Por isso, Amir decidiu assassinar Rabin de forma premeditada, acreditando estar cumprindo um dever religioso.
É importante observar que, apesar de ser rotulado como "estudante de direito", Amir não se encaixava no padrão acadêmico ocidental. Ele, de fato, era um estudioso devoto da Torá e justificou seu crime durante o julgamento alegando conformidade com a lei religiosa judaica. Amir permanece encarcerado até hoje, sem demonstrar qualquer remorso.
Podemos e devemos repudiar esse ato. No entanto, é crucial reconhecer que essa devoção religiosa que se manifesta em nome de Deus não é um fenômeno isolado, mas sim algo que atravessa séculos de história, inclusive no contexto do Cristianismo. Basta lembrar das Cruzadas, da Inquisição, dos momentos em que igrejas apoiaram movimentos armados nos anos 60 e da forma como líderes religiosos cristãos contemporâneos se envolvem em questões políticas que evocam o uso da força e do confronto.
A retórica atual de certos grupos evangélicos promove a posse de armas pela população civil, dissemina discursos agressivos contra minorias e advoga o uso da força política para impor leis que estabeleçam uma moralidade religiosa na sociedade. Tudo isso é apresentado como uma expressão de zelo cristão. No entanto, ao ser comparado com a vida e os ensinamentos de Cristo, revela-se mais próximo da violência de Yigal Amir do que do evangelho de paz proclamado por Jesus.
Saulo de Tarso também estava imbuído dessa mentalidade de religião da força. Ele se via como alguém que seguia fielmente a tradição de seu povo, inspirado pelos exemplos de Fineias, que matou um casal de idólatras com uma lança em defesa da pureza do culto (Números 25), e de Judas Macabeu, que liderou uma revolta militar contra os gregos para restaurar a santidade do templo. Motivado por esses modelos, Saulo participou da lapidação de Estêvão, acreditando estar prestando um serviço legítimo a Deus. Além disso, como ele mesmo depôs futuramante, matou e encarcerou a muitos discípulos de Jesus. E com documentos autorizados nas mãos rumava para Damasco, a fim de ampliar o seu círculo de violência.
Nesse contexto de violência, enquanto seguia pela estrada de Damasco, a luz de Cristo o confrontou. Cego e prostrado no chão, Saulo ouviu uma voz que o chamava não para a batalha, mas para a transformação. Aquele a quem perseguia se revelou a ele com graça e autoridade. Ao se levantar, Saulo já não era a mesma pessoa. Em Damasco, ele foi batizado. Naquele novo começo, Deus revelou a ele sua missão: não mais brandir a espada em nome da fé, mas sofrer em prol do evangelho.
A conversão de Paulo nos ensina, principalmente, que o verdadeiro seguidor do evangelho será um agente da paz. Ele manterá suas convicções com firmeza — Paulo nunca foi hesitante em suas palavras —, porém sua firmeza será temperada pela gentileza de Cristo. Ele defenderá a verdade, mas nunca recorrendo à violência; será corajoso, mas não agressivo. O convertido em Cristo é chamado a buscar a paz com todos, sempre que possível, sem comprometer a fidelidade ao evangelho.
Além disso, aprendemos com Paulo que o autêntico convertido respeita a liberdade de escolha das pessoas. Ele proclamará com fervor o evangelho da salvação, alertará sobre as armadilhas do pecado, defenderá com convicção, porém jamais usará da coerção ou da imposição. Sua missão não é impor mudanças, mas testemunhar com amor, buscando que o outro se afaste de seus caminhos desviados por meio do arrependimento e da graça, nunca pelo medo ou pela imposição de normas religiosas.
A transformação de Paulo também nos ensina que o cristão convertido deposita sua confiança na autoridade de Cristo, não em estruturas políticas ou partidárias terrenas. Paulo não buscou apoio no poder imperial para espalhar o evangelho, mas o confrontou com ousadia, proclamando que "Jesus é o Senhor" — uma declaração que desafiava diretamente o domínio de César naquela época. O verdadeiro discípulo entende que o Reino de Deus avança não por meio de alianças humanas, mas pelo poder transformador do Espírito.
Por último, o exemplo de Paulo nos mostra que o cristão convertido está disposto a sofrer e, se necessário, morrer por suas convicções, mas nunca a matar por elas. A fé cristã não é imposta pela força, mas oferecida em sacrifício. Assim como Jesus e os apóstolos ao longo da história, o seguidor autêntico escolhe o caminho da cruz, não o da espada. Paulo enfrentou apedrejamentos, açoites, prisões e, por fim, o martírio, sem jamais reagir com violência. Seu modelo sempre foi o de Cristo, que, ao ser preso, pediu a Pedro para guardar a espada e entregou-se ao Pai.
Que a jornada para Damasco nos instrua, portanto, que a verdadeira conversão não gera combatentes armados, mas sim pacificadores Que a espada nas mãos do apóstolo não inspire o domínio, mas a conversão; não o poder político, mas o testemunho até a morte. Que o zelo cristão não nos leve a destruir o outro, mas a dar a vida por ele. E que, tal como Paulo, possamos ouvir a voz de Cristo nos chamando do alto não para travar guerras religiosas, mas para viver — e, se necessário, sofrer — em prol de um evangelho de reconciliação e paz.
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