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Mariologia à Luz da Bíblia: Parte II – Estudo de Samuele Bacchiocchi

 

Por Samuele Bacchiocchi

ThD pela Universidade Gregoriana de Roma

Professor em Andrews University



[Obs: Este estudo segue dois posts anteriores, sendo Introdução e Parte I, de modo que as notas de referência se iniciam a partir da última nota do material anterior. Links para leitura do material complementar, ao fim do texto.]

 

Parte II – A Imaculada Conceição de Maria


Há uma progressão lógica nos dogmas católicos sobre Maria, cada um construído sobre o outro e finalmente aumentando a lacuna entre os ensinamentos bíblicos e os ensinamentos marianos católicos. Philip Schaff, um renomado historiador da Igreja do século XIX, corretamente observa que “do ponto de vista romano este dogma [da imaculada conceição] completa a Mariologia e Mariolatria, que passo a passo avançaram da virgindade perpétua de Maria a sua isenção de pecado após a concepção do Salvador, até à isenção de pecado após o parto, e finalmente a sua isenção do pecado original e hereditário [na concepção]. A única coisa que resta agora é proclamar o dogma de sua assunção ao céu, que foi durante muito tempo uma opinião mística na Igreja Católica”.[29]

A predição de Schaff de que o último passo na glorificação de Maria seria a proclamação do dogma de sua assunção ao céu foi cumprida em 1950, isto é, 57 anos depois de sua morte, ocorrida em 1893. Schaff nota que a glorificação progressiva de Maria corresponde ao “progresso na adoração de Maria, bem como a multiplicação de suas festas, festas essas que sempre ofuscam a adoração a Cristo. Ela, terna, compassiva e amável mulher, é invocada pela sua poderosa intercessão, em vez de seu Divino Filho. Ela é feita a fonte de toda graça, a mediadora entre Cristo e é virtualmente colocada no lugar do Espírito Santo. Quase não existe um epíteto de Cristo que os católicos romanos não apliquem à Virgem”.[30]

 

Definição do Dogma da Imaculada Conceição


Algumas pessoas confundem o dogma católico da imaculada conceição de Maria com a doutrina bíblica da concepção virginal de Cristo. A concepção de Jesus foi quase seguramente imaculada (sem pecado), mas este dogma se refere a Maria, não Jesus. Este doma alega que Maria foi preservada de pecado original desde o momento de sua concepção até o final de sua vida. Como isso supostamente aconteceu será explicado a seguir.

O dogma oficial da imaculada conceição, conhecido como ineffabilis Deus, foi promulgado pelo Papa Pio IX em 8 de dezembro de 1854, por ocasião da Festa da Conceição. Na presença de mais de 200 cardeais, bispos e outros dignitários, Pio IX solenemente definiu e promulgou este dogma dizendo: “Nós declaramos, pronunciamos e definimos, que a doutrina que afirma que a Bendita Virgem Maria, do primeiro momento de sua concepção, por graça singular e privilégio do Todo-Poderoso Deus, e em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador da raça humana, foi preservada livre de qualquer mancha de pecado original, é uma doutrina revelada por Deus e, por essa razão, precisa ser firme e constantemente acreditada por todos os fiéis”.[31]

 

A Glorificação de Maria como um Canal de Graça e Redenção


A promulgação do dogma da imaculada conceição representa a culminação do processo de glorificação de Maria como um canal de graça e redenção para a humanidade. O objetivo do dogma é revelado na encíclica Ubi Primum que Pio IX enviou para os bispos em 2 de fevereiro de 1849, para solicitar a opinião e encorajar a cooperação deles em promover a aceitação do dogma da imaculada conceição, que logo seria promulgado.

A Encíclica contém citações reveladoras: “Nós grandemente ansiamos que, assim que possível, vós nos deis apreciação da consideração de devoção que anima vosso clero e vosso povo com respeito à imaculada conceição da Bendita Virgem, e quão ardentemente incandesce o desejo de que esta doutrina seja definida pela Sé Apostólica. E especialmente, veneráveis irmãos, desejamos saber o que vós mesmos, em vosso sábio julgamento, pensais e desejais sobre esta questão. . . . Temos certeza que será vosso prazer cooperar zelosa e diligentemente com nossos desejos, e que prontamente nos suprireis com as respostas que requisitamos”.[32]

Depois de apelar aos bispos para aceitar e gerar apoio popular para a crença na imaculada conceição de Maria, a Encíclica continua declarando: “O fundamento de toda nossa confiança, como bem sabeis, veneráveis irmãos, é encontrado na Bendita Virgem Maria. Pois Deus entregou a Maria a mordomia de todas as coisas boas, a fim de que todos possam saber que através dela são obtidas toda esperança, toda graça e toda a salvação. Por isso é vontade de Deus que nós obtenhamos tudo através de Maria”[33] Mais de seiscentos prelados responderam, e com exceção de quatro, todos aprovaram a definição papal da imaculada conceição.

Note que esta Encíclica papal claramente expressa o que frequentemente apologistas católicos tendem a negar, ou seja, a crença de que através de Maria “são obtidas toda esperança, toda graça e toda a salvação. Por isso é a vontade de Deus que nós obtenhamos tudo através de Maria”. Por fazer de Maria a dispenseira de “toda esperança, toda graça e toda a salvação,” a Igreja Católica finalmente minimiza o papel redentor de Cristo. Se esperança, graça e salvação podem ser obtidas através de Maria, o ministério intercessório e redentor de Cristo dificilmente se faz necessário. Finalmente, a adoração de Maria em devoções populares suplanta a adoração de Cristo. O resultado final é a adoração idólatra da criatura em lugar do Criador.

 

Os Mecanismos da Imaculada Conceição


Para entender a definição católica da imaculada conceição de Maria, é necessário explicar primeiro a visão católica dualística da natureza humana. Expressado de maneira simples, católicos e a maioria dos protestantes acreditam que todo ser humano nasce com um corpo mortal e uma alma imortal. Já temos feito notar [em diferentes artigos e livros de minha lavra] que recentemente um grande número de estudiosos católicos e protestantes rejeitou a visão dualística platônica da natureza humana, abraçando em lugar a visão holística bíblica.

De acordo com a visão dualística, na concepção um corpo é formado no útero da mãe como resultado da inseminação de um pai. No momento da concepção do corpo, uma alma é criada e infundida no corpo. Esse processo é chamado de animação, isto é, a implantação de uma anima (que é o termo latim para alma) no corpo. Cada alma é infundida no corpo com a mancha de pecado original. Sobre circunstâncias normais tal mancha é supostamente removida no batismo logo após o nascimento da criança.

No caso de Maria, no entanto, a mancha do pecado original não foi removida no batismo, mas foi excluída por completo de sua alma no momento da concepção. Em outras palavras, o corpo de Maria foi infundido com uma alma limpa sem a mancha de pecado original. Em adição, uma santidade especial foi concedida a ela de tal forma que excluiu do seu corpo a presença de todas as emoções, paixões e inclinações pecaminosas.

A imunidade de pecado original na alma, assim como a exclusão do pecado hereditário do corpo, foram dados a Maria no momento da concepção pelo mesmo Cristo que purifica os crentes do pecado pelo batismo. Deste modo, a concepção de Maria foi imaculada, porque ela estava eximida da presença de pecado original na sua alma, e de pecado hereditário no seu corpo. Este é o significado essencial do dogma católico da imaculada conceição.

Este dogma vai além de atribuir concepção sem pecado a Maria, por também reivindicar que ela viveu uma vida totalmente sem pecado. Como declarado no Catecismo da Igreja Católica, “a Mãe de Deus ‘a toda santa’ (Panagia) . . . [era] ‘imune de toda mancha de pecado, tendo sido plasmada pelo Espirito Santo, e formada como uma nova criatura’. Pela graça de Deus, Maria permaneceu pura de todo pecado pessoal ao longo de toda a sua vida”.[34]Assim, de acordo com o ensinamento católico oficial, Maria foi concebida sem nenhum traço de pecado e permaneceu sem pecado durante sua vida inteira. Logo veremos que este ensinamento é claramente condenado pelas Escrituras, que ensinam que “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rom. 3:23; ênfase acrescentada).

 

Uma Questão Muito Debatida


Teólogos católicos têm debatido por séculos a questão da imaculada conceição de Maria. A questão mais polêmica era se Maria foi santificada, isto é, purificada do pecado, antes ou depois da infusão de uma alma em seu corpo, um processo conhecido como animação. No século III, John Duns Scotus e os monges franciscanos, promoviam a visão de que Maria fora purificada do pecado na concepção de seu corpo e antes da infusão de uma alma sem a mancha de pecado original. Assim, para eles, tanto o corpo como a alma de Maria nunca foram expostos ao pecado.

Essa visão foi contestada por Tomás de Aquino e subsequentemente pelos monges dominicanos. A razão dada por Aquino pode parecer cavilosa e detalhista para uma mente moderna não familiarizada às argumentações minuciosas de eruditos. Aquino escreve: “A santificação [purificação do pecado] da Bem-aventurada Virgem, não pode ser entendida como tendo tido lugar antes da animação [infusão da alma], por duas razões. Primeiro porque a santificação, da qual estamos falando, não é nada mais do que a purificação do pecado original. . . . Segundo porque . . . antes da infusão da alma racional, a descendência concebida não é devedora ao pecado”.[35]

Simplesmente expresso, Aquino argumenta que a purificação do pecado de Maria tomou lugar depois da infusão da alma, porque é a alma que faz uma pessoa racional e sujeita ao pecado. Se tanto o corpo como a alma de Maria foram sem pecado desde a concepção, então ela não precisaria de um Salvador. Tal visão, de acordo com Aquino, é “depreciativa à dignidade de Cristo” que é “o Salvador universal de todos”.[36] Maria precisava de um Salvador como qualquer outro ser humano. Isto é uma verdade bíblica inegável.

A solução adotada por Aquino é que Maria foi purificada do pecado depois de sua concepção e recepção da alma, mas antes do nascimento efetivo. Em outras palavras, Maria foi imaculada, isto é, sem pecado, não da concepção, mas do tempo do seu real nascimento. A diferença entre os dois parece insignificante para uma pessoa leiga, mas é de grande importância para a teologia católica, porque isto determina se Maria era sem pecado antes de sua concepção ou do seu nascimento efetivo.

Note que, para os católicos o caso não é Maria sem pecado. Neste ponto todos eles concordam que Maria o era. A única questão debatida é: “Quando Maria se tornou sem pecado, na concepção com a infusão da alma, ou nove meses depois no momento de seu nascimento propriamente dito?” O dogma da Imaculada Conceição abrigou a questão, declarando que Maria era sem pecado no exato momento de sua concepção.

Este dogma tem o propósito de reassegurar aos fiéis católicos, como declarado por Pio IX, que Maria pode dispensar “toda a esperança, toda graça e toda a salvação” porque ela foi concebida sem pecado e viveu toda a sua vida sem qualquer traço de pecado. Sua pureza a qualifica a ser uma co-redentora–uma crença popular católica examinada mais tarde neste capítulo.

 

A Imaculada Conceição Deriva da Visão Dualística da Natureza Humana


De acordo com essa visão platônica dualística da natureza humana, a alma é infundida no corpo no momento da concepção e deixa o corpo na morte. Já temos feito notar que tal ensinamento é estranho à Bíblia, que ensina a visão holística da natureza humana.

Vimos que a Bíblia ensina que a natureza humana consiste de uma unidade indissolúvel, onde o corpo, alma e espírito representam diferentes aspectos da mesma pessoa, e não diferentes entidades funcionando de maneira independente. A alma não é infundida no corpo na concepção, mas é o princípio animado do corpo. Simplesmente expresso, nas Escrituras um corpo vivo é uma alma viva e um corpo morto é uma alma morta.

A visão holística bíblica da natureza humana remove a base da imaculada conceição de Maria, porque nega a noção de infusão da alma na concepção. Em lugar algum a Bíblia sugere que o pecado original é uma realidade biológica transmitida através da infusão da alma na concepção. Pecado original é uma condição moral básica de nossa natureza caída que influencia tudo em nós e sobre nós. “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rom 3:23). O dogma da Imaculada Conceição representa uma das muitas heresias que derivam da visão dualística da natureza humana.

 

Cenário Histórico do Dogma da Imaculada Conceição


É muito instrutivo olhar para o cenário histórico do dogma da imaculada conceição Ineffabilis Deus, promulgado em 1854 pelo Papa Pio IX. Seu pontificado foi o maior da história, de 1846 a 1878. Este é um tempo paradoxal para o papado. O maior desses paradoxos foi que enquanto os papas estavam perdendo poder territorial e temporal, eles tentaram compensar isso solidificando o seu poder religioso, promulgando dogmas para provar sua autoridade e infalibilidade (um movimento conhecido como “ultramontanismo”).

Em 1849 Pio IX foi exilado de Roma e impedido de voltar até que a França interviesse a seu favor. Depois de sua restauração, ao invés de continuar algumas das avaliações reformatórias, ele tentou governar como um monarca absoluto. Confrontou as principais forças europeias do seu tempo, até que em 20 de setembro de 1870, as tropas do novo Reino da Itália tomaram os Estados papais.

Justo Gonzales, um dos mais respeitados historiadores da Igreja de nossos tempos, perceptivelmente nota que “Enquanto perdia seu poder, Pio IX insistiu em reafirmá-lo, mesmo se isto pudesse ser feito apenas de maneiras religiosas. Assim, em 1854 ele proclamou o dogma da Imaculada Conceição. De acordo com este dogma, Maria por si mesma, por virtude de sua eleição para ser a mãe do Salvador, foi mantida pura de toda mácula de pecado, incluindo o pecado original. Isto foi uma questão que teólogos católicos debateram por séculos, sem chegar a nenhuma conclusão”.[37]

Gonzales continua apontando que “o fato mais significativo de um ponto de vista histórico, foi que, ao proclamar este dogma como uma doutrina da Igreja, Pio IX se tornou o primeiro papa a definir um dogma por conta própria, sem o apoio de um concílio. Em certo sentido, a bula Ineffabilis, que promulgava a Imaculada Conceição de Maria, foi um teste para ver como o mundo reagiria. Desde que a bula não encontrou muita oposição, o palco estava preparado para a promulgação da infalibilidade papal [em 1870]”.[38]

Os historiadores Nicholas Perry e Loreto Echeverria enfatizam a conexão significativa entre os dogmas da Imaculada Conceição e da Infalibilidade Papal. Eles escrevem: “Longe de ter gestação coincidente, os dois dogmas estão se reforçando mutuamente e se complementando. Eles são a consumação de uma aliança entre Roma e ‘Maria’ desde os primeiros tempos. Como a supervisora materna invisível da Igreja, tornou-se como Deus–ou tão ‘pura’ quanto a Segunda Pessoa de Trindade—assim sua contraparte paternal visível faz um avanço comensurável. Quando o mundo questiona a Cadeira de Pedro e suas prerrogativas, é requerida confirmação celestial. Por sua vez, este fator sobrenatural pode ser ratificado somente por uma voz super-humana: a da infalibilidade”.[39]

Com o sucesso do dogma da Imaculada Conceição, Pio IX, subsequentemente convocou o Concílio Vaticano I que formalmente declarou a infalibilidade papal. A Imaculada Conceição foi o primeiro dogma católico definido somente pela autoridade papal. O Papa pediu a opinião dos Bispos na encíclica Ubi Primum, mas ao promulgar o dogma ele não fez qualquer menção em representar os pontos de vista da Igreja em sua maioria. Como expresso por Maurice Hemington no seu clássico livro Hail Mary?: The Struggle for Ultimate Womenhood in Catholicism, “Foi um decreto solitário. Maria foi usada como um instrumento para solidificar o poder hierárquico no catolicismo”.[40]

De uma perspectiva histórica, a promulgação do dogma da Imaculada Conceição em 1854 representa o esforço unilateral do Papa Pio IX para provar sua autoridade papal de modo religioso num momento em que o poder político dos papas estava chegando a um fim. O resultado final é que a Igreja Católica hoje está afetada por dogmas não-bíblicos que não podem ser desfeitos porque foram promulgados ex catedra, isto é, como um pronunciamento oficial infalível do papa.


UMA RESPOSTA BÍBLICA AO DOGMA DA IMACULADA CONCEIÇÃO


Fontes católicas reconhecem a falta de apoio bíblico direto para o dogma da Imaculada Conceição. Por exemplo, A Enciclopédia Católica admite que “nenhuma prova convincente direta ou categórica do dogma pode ser tirada da Escritura”.41 Dois textos principais são geralmente usados para apoiar a Imaculada Conceição: Gênesis 3:15 e Lucas 1:28. Veremos que nenhum desses textos nem mesmo lembram essa doutrina.

 

Gênesis 3:15: Maria é a Mulher em Inimizade com a Serpente?


Católicos acreditam que “a primeira passagem bíblica [Gên. 3] que contém a promessa de redenção, menciona também a Mãe do Redentor”:[42]“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gên. 3:15). Fontes católicas sempre interpretam a inimizade entre Satanás e a mulher como representando o conflito entre Satanás e Maria.

Por exemplo, A Enciclopédia Católica interpreta o texto dizendo: “A mulher em inimizade com a serpente é Maria. Deus colocou inimizade entre ela e Satanás da mesma maneira e medida como há inimizade entre Cristo e a semente da serpente. Maria sempre devia estar no estado exaltado de alma que a serpente destruiu no homem, i.e. em graça santificante. Somente a contínua união de Maria com a graça explica suficientemente a inimizade entre ela e Satanás. O pré-evangelho [Gên. 3], então, no texto original, contém uma promessa direta do Redentor, e em união com isto, a manifestação da obra prima de Sua Redenção, a perfeita preservação de Sua Virgem Mãe do pecado original”.[42]

A identificação da mulher em inimizade com a serpente como Maria, não pode ser justificada pelo sentido literal do texto. “O sentido literal é que Eva (não Maria) e sua posteridade ganharão a batalha moral contra Satanás e sua semente. A ‘mulher’ é obviamente Eva, a ‘descendência’ é claramente a descendência literal de Eva (cf. Gên. 4:1, 25), e a vitória é a vitória de Cristo sobre Satanás (cf. Rom 16:20)”.[43]
Mesmo permitindo por extensão uma aplicação indireta da mulher a Maria, é um salto gigantesco disto para sua imaculada conceição, que não está implícito no texto. O fato é que não há conexão necessária ou lógica entre Maria ser a mãe do Messias e sua concepção sem pecado.

 

Lucas 1:28: “Cheia de Graça” Implica Ser Sem Pecado?


A saudação do anjo a Maria “Salve, agraciada; o Senhor é contigo” implica que ela foi concebida sem nenhum traço de pecado? Esta é a interpretação do novo Catecismo da Igreja Católica: “Ao longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de que Maria, ‘cumulada de graça’ por Deus foi redimidadesde a concepção. É isso que confessa o dogma da Imaculada Conceição. . . . Pela graça de Deus, Maria permaneceu pura de todo pecado pessoal ao longo de toda a sua vida”.[44]

A interpretação católica de “cheia de graça” ou “cumulada de graça” como significando que “por Deus foi redimida [Maria] desde a concepção . . . [e] pela graça de Deus, Maria permaneceu pura de todo o pecado pessoal ao longo de toda a sua vida”, revela muita inventividade e quatro sérios problemas.

Primeiro, a frase “cheia de graça” é uma tradução imprecisa baseada na Vulgata Latina “gratia plena”. O original grego kecharitomene é corretamente traduzido até mesmo pela Catholic New American Bible, simplesmente como “favorecida”. A tradução imprecisa da Vulgata se tornou a base para a idéia de que Maria teve graça estendida por toda a sua vida. Tal graça a capacitou a viver uma vida sem pecado–um ensinamento alheio à Escritura.

Segundo, o contexto indica que a saudação do anjo se refere apenas ao estado de Maria naquele momento, não para sua vida toda. Isto não afirma que ela era cheia de graça da concepção à transladação. Especialmente o contexto mostra que Maria foi “grandemente favorecida” (versão King James) porque Deus lhe concedeu o privilégio de dar à luz ao Seu filho. Nos versos 30-31, o anjo diz a Maria: “Maria, não temas, porque achaste graça [favor, KJ] diante de Deus. E eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus”. Mais tarde Isabel cumprimenta Maria dizendo: “Bendita [abençoada, KJ] és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre” (Lucas 1:4).

Estes textos indicam que Maria foi grandemente favorecida e abençoada porque Deus a escolheu para carregar Seu filho. Como Norval Geldenhuys comenta: “Deus deu a ela Sua graça livre e desinteressada em uma medida única, escolhendo-a para ser a mãe de Seu Filho”.45 Mesmo uma leitura rápida do contexto revela que a graça por ela recebida foi a tarefa de ser a mãe do Messias, não a de impedi-la de pecar ao longo de sua vida.

Terceiro, a ênfase no “cheia de graça” é equivocada, desde que até mesmo apologistas católicos reconhecem que Maria era uma pecadora em necessidade de redenção. Por exemplo, Ludwig Ott diz que Maria “necessitava de redenção e foi redimida por Cristo”.[46]É biblicamente injustificável sugerir que Maria fosse isenta de pecados hereditários. Ao invés disso, ela foi habilitada pela graça de Deus para superar o pecado.

Finalmente, o mesmo termo para “graça-charito” é usado para fiéis em geral. Em seu excelente tratado sobre Mariologia, intitulado The Cult of the Virgn (O Culto da Virgem), Miller e Samples fazem notar que o termo grego para “cheio de graça” charito “é usado para os crentes em Efésios 1:6 sem implicar em pureza perfeita ou sem pecado. Então, novamente não há nada sobre Lucas 1:28 que estabeleça a doutrina da Imaculada Conceição. Que Maria foi favorecida de maneira única para ser a mãe do seu Senhor é a única inferência necessária”.[47]

 

Maria Conhecia Sua Necessidade de um Salvador


No Magnificat, Maria louva a Deus como seu Redentor dizendo: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador” (Luc. 1:46-47; ênfase acrescentada). A razão pela qual Maria chama a Deus de meu Salvador é porque sabia que como uma descendente de Adão, fora concebida em pecado.
O dogma da Imaculada Conceição questiona a integridade da natureza humana de Maria, reduzindo-a a uma imagem e fazendo de sua vida uma fantasia. Isto implica que Maria nunca foi um ser humano real e nunca viveu uma vida humana real.

Na Bíblia, redenção não é uma intervenção miraculosa executada na concepção sem a participação humana. O Espírito Santo não trabalha impessoalmente, sem uma participação humana livre. A pureza de Cristo não foi mecanicamente garantida por Sua concepção miraculosa, mas foi Sua própria conquista durante Sua vida inteira através do poder concedido pelo Espírito Santo.

 

Conclusão:


A glorificação de Maria como sem pecado desde sua concepção é uma heresia que afeta a singularidade do Filho de Deus, colocando uma criatura em pé de igualdade com Ele. Pureza é uma qualidade reservada a Cristo somente. Salvador é um nome que só Cristo merece. O Anjo instruiu José dizendo: “e chamarás o seu nome Jesus; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mat. 1:21). Jesus é a única pessoa que nasceu, viveu e morreu sem pecado. Ele é o único qualificado para nos salvar dos pecados porque Ele somente é Deus. O dogma da Imaculada Conceição é biblicamente sem fundamento, historicamente injustificado e doutrinariamente doentio.

Leia o material complementar:


Clique: Introdução





Referências


29. Philip Schaff, Creeds of Cristendom, with a History and Critical Notes (1893), vol. 2, pp.211-212.
30. Ibid.
31. Henry Denzinger, The Sources of Catholic Dogma, (1957), parágrafo 2803; Citado também no Catechism of the Catholic Church (nota 11), p. 124, parágrafo 491.
32. Ubi Primum, Sobre a Imaculada Conceição, Encíclica do Papa Pio IX, 2 de Fevereiro de 1849, Papal Encyclical Online,http://www.papalencyclicals.net/Pius09/p9ubipr2.htm.
33. Ibid.
34. Catechism of the Catholic Church (nota 11), p. 124, parágrafo 493. Ênfase acresentada.
35. St. Thomas Aquinas (nota 18), Parte 3, Q. 27, vol. 2, p. 2164.
36. Ibid.
37. Justo Gonzales, The Story of Christianity, (1984), vol. 2. p. 297.
38. Ibid.
39. Nicholas Perry and Loreto Echeverria, Under the Heel of Mary (1989), p. 122.
40. Maurice Hemington, Hail Mary?: The Struggle for Ultimate Womenhoon in Catholicism (1995), p. 19.
41. Frederick G. Holweck, “The Doctrine of the Immaculate Conception,” The Catholic Encyclopedia (1910), vol. 7, p. 242.
42. Ibid.
43. Norman Geisler and Ralph E. MacKenzie, Roman Catholics and Evangelicals. Agreements and Differences (2004), p. 307.
44. Catechism of the Catholic Church (nota 11), p. 124.
45. Norval Geldenhuys, Commentary on the Gospel of Luke (1983), p. 75.
46. Ludwig Ott (nota 12), p. 212.
47. Elliot Miller and Kenneth R. Sample, The Cult of the Virgin: Catholic Mariology and the Apparitionss of Mary (1992), p. 34.

Estudo de Autoria do já falecido Dr. Samuele Bacchiocchi
Professor jubilado de teologia da Universidade Andrews, publicado através da
Newsletter End Time Issues nr. 191 no site Biblical Perspectives

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