Por Samuele Bacchiocchi
ThD pela Universidade Gregoriana de Roma
Professor em Andrews University
[Obs: Este estudo segue dois posts anteriores, sendo
Introdução e Parte I, de modo que as notas de referência se iniciam a partir da última nota do
material anterior. Links para leitura do material complementar, ao fim do texto.]
Parte II – A Imaculada Conceição de Maria
Há uma progressão lógica nos dogmas
católicos sobre Maria, cada um construído sobre o outro e finalmente aumentando
a lacuna entre os ensinamentos bíblicos e os ensinamentos marianos católicos.
Philip Schaff, um renomado historiador da Igreja do século XIX, corretamente
observa que “do ponto de vista romano este dogma [da imaculada conceição]
completa a Mariologia e Mariolatria, que passo a passo avançaram da virgindade perpétua
de Maria a sua isenção de pecado após a concepção do Salvador, até à isenção de
pecado após o parto, e finalmente a sua isenção do pecado original e
hereditário [na concepção]. A única coisa que resta agora é proclamar o dogma
de sua assunção ao céu, que foi durante muito tempo uma opinião mística na
Igreja Católica”.[29]
A predição de Schaff de que o último
passo na glorificação de Maria seria a proclamação do dogma de sua assunção ao
céu foi cumprida em 1950, isto é, 57 anos depois de sua morte, ocorrida em
1893. Schaff nota que a glorificação progressiva de Maria corresponde ao
“progresso na adoração de Maria, bem como a multiplicação de suas festas,
festas essas que sempre ofuscam a adoração a Cristo. Ela, terna, compassiva e
amável mulher, é invocada pela sua poderosa intercessão, em vez de seu Divino
Filho. Ela é feita a fonte de toda graça, a mediadora entre Cristo e é
virtualmente colocada no lugar do Espírito Santo. Quase não existe um epíteto
de Cristo que os católicos romanos não apliquem à Virgem”.[30]
Definição do Dogma da Imaculada Conceição
Algumas pessoas confundem o dogma
católico da imaculada conceição de Maria com a doutrina bíblica da concepção
virginal de Cristo. A concepção de Jesus foi quase seguramente imaculada (sem
pecado), mas este dogma se refere a Maria, não Jesus. Este doma alega que Maria
foi preservada de pecado original desde o momento de sua concepção até o final
de sua vida. Como isso supostamente aconteceu será explicado a seguir.
O dogma oficial da imaculada conceição,
conhecido como ineffabilis Deus, foi promulgado pelo Papa Pio IX em 8 de
dezembro de 1854, por ocasião da Festa da Conceição. Na presença de mais de 200
cardeais, bispos e outros dignitários, Pio IX solenemente definiu e promulgou
este dogma dizendo: “Nós declaramos, pronunciamos e definimos, que a doutrina
que afirma que a Bendita Virgem Maria, do primeiro momento de sua concepção,
por graça singular e privilégio do Todo-Poderoso Deus, e em vista dos méritos
de Jesus Cristo, Salvador da raça humana, foi preservada livre de qualquer
mancha de pecado original, é uma doutrina revelada por Deus e, por essa razão,
precisa ser firme e constantemente acreditada por todos os fiéis”.[31]
A Glorificação de Maria como um Canal de Graça e Redenção
A promulgação do dogma da imaculada
conceição representa a culminação do processo de glorificação de Maria como um
canal de graça e redenção para a humanidade. O objetivo do dogma é revelado na
encíclica Ubi Primum que Pio IX enviou para os bispos em 2 de fevereiro de 1849,
para solicitar a opinião e encorajar a cooperação deles em promover a aceitação
do dogma da imaculada conceição, que logo seria promulgado.
A Encíclica contém citações
reveladoras: “Nós grandemente ansiamos que, assim que possível, vós nos deis
apreciação da consideração de devoção que anima vosso clero e vosso povo com
respeito à imaculada conceição da Bendita Virgem, e quão ardentemente
incandesce o desejo de que esta doutrina seja definida pela Sé Apostólica. E
especialmente, veneráveis irmãos, desejamos saber o que vós mesmos, em vosso
sábio julgamento, pensais e desejais sobre esta questão. . . . Temos certeza
que será vosso prazer cooperar zelosa e diligentemente com nossos desejos, e
que prontamente nos suprireis com as respostas que requisitamos”.[32]
Depois de apelar aos bispos para
aceitar e gerar apoio popular para a crença na imaculada conceição de Maria, a
Encíclica continua declarando: “O fundamento de toda nossa confiança, como bem
sabeis, veneráveis irmãos, é encontrado na Bendita Virgem Maria. Pois Deus
entregou a Maria a mordomia de todas as coisas boas, a fim de que todos possam
saber que através dela são obtidas toda esperança, toda graça e toda a
salvação. Por isso é vontade de Deus que nós obtenhamos tudo através de
Maria”[33] Mais de seiscentos prelados responderam, e com exceção de quatro,
todos aprovaram a definição papal da imaculada conceição.
Note que esta Encíclica papal
claramente expressa o que frequentemente apologistas católicos tendem a negar,
ou seja, a crença de que através de Maria “são obtidas toda esperança, toda
graça e toda a salvação. Por isso é a vontade de Deus que nós obtenhamos tudo
através de Maria”. Por fazer de Maria a dispenseira de “toda esperança, toda
graça e toda a salvação,” a Igreja Católica finalmente minimiza o papel
redentor de Cristo. Se esperança, graça e salvação podem ser obtidas através de
Maria, o ministério intercessório e redentor de Cristo dificilmente se faz
necessário. Finalmente, a adoração de Maria em devoções populares suplanta a
adoração de Cristo. O resultado final é a adoração idólatra da criatura em
lugar do Criador.
Os Mecanismos da Imaculada Conceição
Para entender a definição católica da
imaculada conceição de Maria, é necessário explicar primeiro a visão católica
dualística da natureza humana. Expressado de maneira simples, católicos e a
maioria dos protestantes acreditam que todo ser humano nasce com um corpo
mortal e uma alma imortal. Já temos feito notar [em diferentes artigos e livros
de minha lavra] que recentemente um grande número de estudiosos católicos e
protestantes rejeitou a visão dualística platônica da natureza humana,
abraçando em lugar a visão holística bíblica.
De acordo com a visão dualística, na
concepção um corpo é formado no útero da mãe como resultado da inseminação de
um pai. No momento da concepção do corpo, uma alma é criada e infundida no
corpo. Esse processo é chamado de animação, isto é, a implantação de uma anima
(que é o termo latim para alma) no corpo. Cada alma é infundida no corpo com a
mancha de pecado original. Sobre circunstâncias normais tal mancha é
supostamente removida no batismo logo após o nascimento da criança.
No caso de Maria, no entanto, a mancha
do pecado original não foi removida no batismo, mas foi excluída por completo
de sua alma no momento da concepção. Em outras palavras, o corpo de Maria foi
infundido com uma alma limpa sem a mancha de pecado original. Em adição, uma
santidade especial foi concedida a ela de tal forma que excluiu do seu corpo a
presença de todas as emoções, paixões e inclinações pecaminosas.
A imunidade de pecado original na
alma, assim como a exclusão do pecado hereditário do corpo, foram dados a Maria
no momento da concepção pelo mesmo Cristo que purifica os crentes do pecado
pelo batismo. Deste modo, a concepção de Maria foi imaculada, porque ela estava
eximida da presença de pecado original na sua alma, e de pecado hereditário no
seu corpo. Este é o significado essencial do dogma católico da imaculada
conceição.
Este dogma vai além de atribuir
concepção sem pecado a Maria, por também reivindicar que ela viveu uma vida
totalmente sem pecado. Como declarado no Catecismo da Igreja Católica, “a Mãe
de Deus ‘a toda santa’ (Panagia) . . . [era] ‘imune de toda mancha de pecado,
tendo sido plasmada pelo Espirito Santo, e formada como uma nova criatura’.
Pela graça de Deus, Maria permaneceu pura de todo pecado pessoal ao longo de
toda a sua vida”.[34]Assim, de acordo com o ensinamento católico oficial, Maria
foi concebida sem nenhum traço de pecado e permaneceu sem pecado durante sua
vida inteira. Logo veremos que este ensinamento é claramente condenado pelas
Escrituras, que ensinam que “todos pecaram e destituídos estão da glória de
Deus” (Rom. 3:23; ênfase acrescentada).
Uma Questão Muito Debatida
Teólogos católicos têm debatido por
séculos a questão da imaculada conceição de Maria. A questão mais polêmica era
se Maria foi santificada, isto é, purificada do pecado, antes ou depois da
infusão de uma alma em seu corpo, um processo conhecido como animação. No
século III, John Duns Scotus e os monges franciscanos, promoviam a visão de que
Maria fora purificada do pecado na concepção de seu corpo e antes da infusão de
uma alma sem a mancha de pecado original. Assim, para eles, tanto o corpo como
a alma de Maria nunca foram expostos ao pecado.
Essa visão foi contestada por Tomás de
Aquino e subsequentemente pelos monges dominicanos. A razão dada por Aquino
pode parecer cavilosa e detalhista para uma mente moderna não familiarizada às
argumentações minuciosas de eruditos. Aquino escreve: “A santificação
[purificação do pecado] da Bem-aventurada Virgem, não pode ser entendida como
tendo tido lugar antes da animação [infusão da alma], por duas razões. Primeiro
porque a santificação, da qual estamos falando, não é nada mais do que a purificação
do pecado original. . . . Segundo porque . . . antes da infusão da alma
racional, a descendência concebida não é devedora ao pecado”.[35]
Simplesmente expresso, Aquino
argumenta que a purificação do pecado de Maria tomou lugar depois da infusão da
alma, porque é a alma que faz uma pessoa racional e sujeita ao pecado. Se tanto
o corpo como a alma de Maria foram sem pecado desde a concepção, então ela não
precisaria de um Salvador. Tal visão, de acordo com Aquino, é “depreciativa à
dignidade de Cristo” que é “o Salvador universal de todos”.[36] Maria precisava
de um Salvador como qualquer outro ser humano. Isto é uma verdade bíblica
inegável.
A solução adotada por Aquino é que
Maria foi purificada do pecado depois de sua concepção e recepção da alma, mas
antes do nascimento efetivo. Em outras palavras, Maria foi imaculada, isto é,
sem pecado, não da concepção, mas do tempo do seu real nascimento. A diferença
entre os dois parece insignificante para uma pessoa leiga, mas é de grande
importância para a teologia católica, porque isto determina se Maria era sem
pecado antes de sua concepção ou do seu nascimento efetivo.
Note que, para os católicos o caso não
é Maria sem pecado. Neste ponto todos eles concordam que Maria o era. A única
questão debatida é: “Quando Maria se tornou sem pecado, na concepção com a
infusão da alma, ou nove meses depois no momento de seu nascimento propriamente
dito?” O dogma da Imaculada Conceição abrigou a questão, declarando que Maria
era sem pecado no exato momento de sua concepção.
Este dogma tem o propósito de
reassegurar aos fiéis católicos, como declarado por Pio IX, que Maria pode
dispensar “toda a esperança, toda graça e toda a salvação” porque ela foi
concebida sem pecado e viveu toda a sua vida sem qualquer traço de pecado. Sua
pureza a qualifica a ser uma co-redentora–uma crença popular católica examinada
mais tarde neste capítulo.
A Imaculada Conceição Deriva da Visão Dualística da Natureza Humana
De acordo com essa visão platônica dualística da natureza
humana, a alma é infundida no corpo no momento da concepção
e deixa o corpo na morte. Já temos feito notar que tal ensinamento é estranho à
Bíblia, que ensina a visão holística da natureza humana.
Vimos que a Bíblia ensina que a
natureza humana consiste de uma unidade indissolúvel, onde o corpo, alma e
espírito representam diferentes aspectos da mesma pessoa, e não diferentes
entidades funcionando de maneira independente. A alma não é infundida no corpo
na concepção, mas é o princípio animado do corpo. Simplesmente expresso, nas
Escrituras um corpo vivo é uma alma viva e um corpo morto é uma alma morta.
A visão holística bíblica da natureza
humana remove a base da imaculada conceição de Maria, porque nega a noção de
infusão da alma na concepção. Em lugar algum a Bíblia sugere que o pecado
original é uma realidade biológica transmitida através da infusão da alma na
concepção. Pecado original é uma condição moral básica de nossa natureza caída
que influencia tudo em nós e sobre nós. “Porque todos pecaram e destituídos
estão da glória de Deus” (Rom 3:23). O dogma da Imaculada Conceição representa
uma das muitas heresias que derivam da visão dualística da natureza humana.
Cenário Histórico do Dogma da Imaculada Conceição
É muito instrutivo olhar para o
cenário histórico do dogma da imaculada conceição Ineffabilis Deus, promulgado
em 1854 pelo Papa Pio IX. Seu pontificado foi o maior da história, de 1846 a
1878. Este é um tempo paradoxal para o papado. O maior desses paradoxos foi que
enquanto os papas estavam perdendo poder territorial e temporal, eles tentaram
compensar isso solidificando o seu poder religioso, promulgando dogmas para
provar sua autoridade e infalibilidade (um movimento conhecido como
“ultramontanismo”).
Em 1849 Pio IX foi exilado de Roma e
impedido de voltar até que a França interviesse a seu favor. Depois de sua
restauração, ao invés de continuar algumas das avaliações reformatórias, ele
tentou governar como um monarca absoluto. Confrontou as principais forças
europeias do seu tempo, até que em 20 de setembro de 1870, as tropas do novo
Reino da Itália tomaram os Estados papais.
Justo Gonzales, um dos mais
respeitados historiadores da Igreja de nossos tempos, perceptivelmente nota que
“Enquanto perdia seu poder, Pio IX insistiu em reafirmá-lo, mesmo se isto
pudesse ser feito apenas de maneiras religiosas. Assim, em 1854 ele proclamou o
dogma da Imaculada Conceição. De acordo com este dogma, Maria por si mesma, por
virtude de sua eleição para ser a mãe do Salvador, foi mantida pura de toda
mácula de pecado, incluindo o pecado original. Isto foi uma questão que
teólogos católicos debateram por séculos, sem chegar a nenhuma conclusão”.[37]
Gonzales continua apontando que “o
fato mais significativo de um ponto de vista histórico, foi que, ao proclamar
este dogma como uma doutrina da Igreja, Pio IX se tornou o primeiro papa a
definir um dogma por conta própria, sem o apoio de um concílio. Em certo
sentido, a bula Ineffabilis, que promulgava a Imaculada Conceição de Maria, foi
um teste para ver como o mundo reagiria. Desde que a bula não encontrou muita
oposição, o palco estava preparado para a promulgação da infalibilidade papal
[em 1870]”.[38]
Os historiadores Nicholas Perry e
Loreto Echeverria enfatizam a conexão significativa entre os dogmas da
Imaculada Conceição e da Infalibilidade Papal. Eles escrevem: “Longe de ter
gestação coincidente, os dois dogmas estão se reforçando mutuamente e se
complementando. Eles são a consumação de uma aliança entre Roma e ‘Maria’ desde
os primeiros tempos. Como a supervisora materna invisível da Igreja, tornou-se
como Deus–ou tão ‘pura’ quanto a Segunda Pessoa de Trindade—assim sua
contraparte paternal visível faz um avanço comensurável. Quando o mundo
questiona a Cadeira de Pedro e suas prerrogativas, é requerida confirmação
celestial. Por sua vez, este fator sobrenatural pode ser ratificado somente por
uma voz super-humana: a da infalibilidade”.[39]
Com o sucesso do dogma da Imaculada
Conceição, Pio IX, subsequentemente convocou o Concílio Vaticano I que
formalmente declarou a infalibilidade papal. A Imaculada Conceição foi o
primeiro dogma católico definido somente pela autoridade papal. O Papa pediu a
opinião dos Bispos na encíclica Ubi Primum, mas ao promulgar o dogma ele não
fez qualquer menção em representar os pontos de vista da Igreja em sua maioria.
Como expresso por Maurice Hemington no seu clássico livro Hail Mary?: The
Struggle for Ultimate Womenhood in Catholicism, “Foi um decreto solitário.
Maria foi usada como um instrumento para solidificar o poder hierárquico no
catolicismo”.[40]
De uma perspectiva histórica, a
promulgação do dogma da Imaculada Conceição em 1854 representa o esforço
unilateral do Papa Pio IX para provar sua autoridade papal de modo religioso
num momento em que o poder político dos papas estava chegando a um fim. O
resultado final é que a Igreja Católica hoje está afetada por dogmas
não-bíblicos que não podem ser desfeitos porque foram promulgados ex catedra,
isto é, como um pronunciamento oficial infalível do papa.
UMA RESPOSTA BÍBLICA AO DOGMA DA
IMACULADA CONCEIÇÃO
Fontes católicas reconhecem a falta de
apoio bíblico direto para o dogma da Imaculada Conceição. Por exemplo, A
Enciclopédia Católica admite que “nenhuma prova convincente direta ou
categórica do dogma pode ser tirada da Escritura”.41 Dois textos principais são
geralmente usados para apoiar a Imaculada Conceição: Gênesis 3:15 e Lucas 1:28.
Veremos que nenhum desses textos nem mesmo lembram essa doutrina.
Gênesis 3:15: Maria é a Mulher em Inimizade com a Serpente?
Católicos acreditam que “a primeira
passagem bíblica [Gên. 3] que contém a promessa de redenção, menciona também a
Mãe do Redentor”:[42]“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua
semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”
(Gên. 3:15). Fontes católicas sempre interpretam a inimizade entre Satanás e a
mulher como representando o conflito entre Satanás e Maria.
Por exemplo, A Enciclopédia Católica
interpreta o texto dizendo: “A mulher em inimizade com a serpente é Maria. Deus
colocou inimizade entre ela e Satanás da mesma maneira e medida como há
inimizade entre Cristo e a semente da serpente. Maria sempre devia estar no
estado exaltado de alma que a serpente destruiu no homem, i.e. em graça
santificante. Somente a contínua união de Maria com a graça explica
suficientemente a inimizade entre ela e Satanás. O pré-evangelho [Gên. 3],
então, no texto original, contém uma promessa direta do Redentor, e em união
com isto, a manifestação da obra prima de Sua Redenção, a perfeita preservação
de Sua Virgem Mãe do pecado original”.[42]
A identificação da mulher em inimizade
com a serpente como Maria, não pode ser justificada pelo sentido literal do
texto. “O sentido literal é que Eva (não Maria) e sua posteridade ganharão a
batalha moral contra Satanás e sua semente. A ‘mulher’ é obviamente Eva, a
‘descendência’ é claramente a descendência literal de Eva (cf. Gên. 4:1, 25), e
a vitória é a vitória de Cristo sobre Satanás (cf. Rom 16:20)”.[43]
Mesmo permitindo por extensão uma
aplicação indireta da mulher a Maria, é um salto gigantesco disto para sua
imaculada conceição, que não está implícito no texto. O fato é que não há
conexão necessária ou lógica entre Maria ser a mãe do Messias e sua concepção
sem pecado.
Lucas 1:28: “Cheia de Graça” Implica Ser Sem Pecado?
A saudação do anjo a Maria “Salve,
agraciada; o Senhor é contigo” implica que ela foi concebida sem nenhum traço
de pecado? Esta é a interpretação do novo Catecismo da Igreja Católica: “Ao
longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de que Maria, ‘cumulada de graça’
por Deus foi redimidadesde a concepção. É isso que confessa o dogma da
Imaculada Conceição. . . . Pela graça de Deus, Maria permaneceu pura de todo
pecado pessoal ao longo de toda a sua vida”.[44]
A interpretação católica de “cheia de
graça” ou “cumulada de graça” como significando que “por Deus foi redimida
[Maria] desde a concepção . . . [e] pela graça de Deus, Maria permaneceu pura
de todo o pecado pessoal ao longo de toda a sua vida”, revela muita
inventividade e quatro sérios problemas.
Primeiro, a frase “cheia de graça” é
uma tradução imprecisa baseada na Vulgata Latina “gratia plena”. O original
grego kecharitomene é corretamente traduzido até mesmo pela Catholic New
American Bible, simplesmente como “favorecida”. A tradução imprecisa da Vulgata
se tornou a base para a idéia de que Maria teve graça estendida por toda a sua
vida. Tal graça a capacitou a viver uma vida sem pecado–um ensinamento alheio à
Escritura.
Segundo, o contexto indica que a
saudação do anjo se refere apenas ao estado de Maria naquele momento, não para
sua vida toda. Isto não afirma que ela era cheia de graça da concepção à
transladação. Especialmente o contexto mostra que Maria foi “grandemente
favorecida” (versão King James) porque Deus lhe concedeu o privilégio de dar à
luz ao Seu filho. Nos versos 30-31, o anjo diz a Maria: “Maria, não temas,
porque achaste graça [favor, KJ] diante de Deus. E eis que em teu ventre
conceberás e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus”. Mais tarde
Isabel cumprimenta Maria dizendo: “Bendita [abençoada, KJ] és tu entre as
mulheres, e bendito o fruto do teu ventre” (Lucas 1:4).
Estes textos indicam que Maria foi
grandemente favorecida e abençoada porque Deus a escolheu para carregar Seu
filho. Como Norval Geldenhuys comenta: “Deus deu a ela Sua graça livre e
desinteressada em uma medida única, escolhendo-a para ser a mãe de Seu
Filho”.45 Mesmo uma leitura rápida do contexto revela que a graça por ela
recebida foi a tarefa de ser a mãe do Messias, não a de impedi-la de pecar ao longo
de sua vida.
Terceiro, a ênfase no “cheia de graça”
é equivocada, desde que até mesmo apologistas católicos reconhecem que Maria
era uma pecadora em necessidade de redenção. Por exemplo, Ludwig Ott diz que
Maria “necessitava de redenção e foi redimida por Cristo”.[46]É biblicamente
injustificável sugerir que Maria fosse isenta de pecados hereditários. Ao invés
disso, ela foi habilitada pela graça de Deus para superar o pecado.
Finalmente, o mesmo termo para
“graça-charito” é usado para fiéis em geral. Em seu excelente tratado sobre
Mariologia, intitulado The Cult of the Virgn (O Culto da Virgem), Miller e
Samples fazem notar que o termo grego para “cheio de graça” charito “é usado
para os crentes em Efésios 1:6 sem implicar em pureza perfeita ou sem pecado.
Então, novamente não há nada sobre Lucas 1:28 que estabeleça a doutrina da
Imaculada Conceição. Que Maria foi favorecida de maneira única para ser a mãe
do seu Senhor é a única inferência necessária”.[47]
Maria Conhecia Sua Necessidade de um Salvador
No Magnificat, Maria louva a Deus como
seu Redentor dizendo: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se
alegra em Deus meu Salvador” (Luc. 1:46-47; ênfase acrescentada). A razão pela
qual Maria chama a Deus de meu Salvador é porque sabia que como uma descendente
de Adão, fora concebida em pecado.
O dogma da Imaculada Conceição
questiona a integridade da natureza humana de Maria, reduzindo-a a uma imagem e
fazendo de sua vida uma fantasia. Isto implica que Maria nunca foi um ser
humano real e nunca viveu uma vida humana real.
Na Bíblia, redenção não é uma
intervenção miraculosa executada na concepção sem a participação humana. O
Espírito Santo não trabalha impessoalmente, sem uma participação humana livre.
A pureza de Cristo não foi mecanicamente garantida por Sua concepção
miraculosa, mas foi Sua própria conquista durante Sua vida inteira através do
poder concedido pelo Espírito Santo.
Conclusão:
A glorificação de Maria como sem
pecado desde sua concepção é uma heresia que afeta a singularidade do Filho de
Deus, colocando uma criatura em pé de igualdade com Ele. Pureza é uma qualidade
reservada a Cristo somente. Salvador é um nome que só Cristo merece. O Anjo
instruiu José dizendo: “e chamarás o seu nome Jesus; porque ele salvará o seu
povo dos seus pecados” (Mat. 1:21). Jesus é a única pessoa que nasceu, viveu e
morreu sem pecado. Ele é o único qualificado para nos salvar dos pecados porque
Ele somente é Deus. O dogma da Imaculada Conceição é biblicamente sem
fundamento, historicamente injustificado e doutrinariamente doentio.
Leia o material complementar:
Leia o material complementar:
Clique: Introdução
Clique: Parte I - A Perpétua Virgindade de Maria
Referências
29. Philip Schaff, Creeds of Cristendom, with a History and Critical
Notes (1893), vol. 2, pp.211-212.
30. Ibid.
31. Henry Denzinger, The Sources of Catholic Dogma, (1957), parágrafo 2803;
Citado também no Catechism of the Catholic Church (nota 11), p. 124, parágrafo
491.
32. Ubi Primum, Sobre a Imaculada
Conceição, Encíclica do Papa Pio IX, 2 de Fevereiro de 1849, Papal Encyclical
Online,http://www.papalencyclicals.net/Pius09/p9ubipr2.htm.
33. Ibid.
34. Catechism of the Catholic Church (nota 11), p. 124, parágrafo 493. Ênfase
acresentada.
35. St. Thomas Aquinas (nota 18),
Parte 3, Q. 27, vol. 2, p. 2164.
36. Ibid.
37. Justo Gonzales, The Story of Christianity, (1984), vol. 2. p. 297.
38. Ibid.
39. Nicholas Perry and Loreto Echeverria, Under the Heel of Mary (1989),
p. 122.
40. Maurice Hemington, Hail Mary?: The Struggle for Ultimate Womenhoon
in Catholicism (1995), p. 19.
41. Frederick G. Holweck, “The Doctrine of the Immaculate Conception,”
The Catholic Encyclopedia (1910), vol. 7, p. 242.
42. Ibid.
43. Norman Geisler and Ralph E. MacKenzie, Roman Catholics and
Evangelicals. Agreements and Differences (2004), p. 307.
44. Catechism of the Catholic Church (nota 11), p. 124.
45. Norval Geldenhuys, Commentary on the Gospel of Luke (1983), p. 75.
46. Ludwig Ott (nota 12), p. 212.
47. Elliot Miller and Kenneth R. Sample, The Cult of the Virgin:
Catholic Mariology and the Apparitionss of Mary (1992), p. 34.
Estudo de Autoria do já falecido
Dr. Samuele Bacchiocchi
Professor jubilado de teologia da Universidade Andrews, publicado através da Newsletter End Time Issues nr. 191 no site Biblical Perspectives
Professor jubilado de teologia da Universidade Andrews, publicado através da Newsletter End Time Issues nr. 191 no site Biblical Perspectives
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